03 setembro, 2012

A HUMILDADE




Já escrevi por aqui várias vezes que sou vaidoso e orgulhoso!
Sinto-me bem, (ou melhor orgulhoso), quando elogiam aquilo que eu escrevo, embora reconheça, (ou queira reconhecer), que as palavras que escrevo não são minhas, mas daqu’Ele que as inspira.
Curiosamente, até quando digo isto mesmo ou escrevo, (que a escrita não é minha mas de Quem ma inspira), me parece estar a ser orgulhoso, vaidoso, pois quem sou eu para que Ele me inspire seja o que for, a não ser a minha conversão para me encontrar com a sua vontade.

Vem este introito a propósito do livro sobre a Beata Teresa de Calcutá, “Vem, sê a minha luz”, que acabei recentemente de ler.

Senti-me esmagado, (no sentido de me achar um nada), perante a grandeza da humildade daquela “pequena” mulher!

Transcrevo três passagens das suas cartas, para que possamos entender como esta mulher levou até ao fim, verdadeiramente, a frase de João Batista:
«Ele é que deve crescer, e eu diminuir.» Jo 3, 30

«O Padre (Van Exem) também tem muitas cartas que eu lhe escrevi sobre – a obra quando ainda estava em Loreto. Agora que o plano que Jesus nos confiou – ficou escrito nas Constituições (da Obra) – essas cartas deixaram de ser necessárias. Agradecia que mas devolvessem – porque eram a expressão da minha alma naqueles momentos. Gostaria de queimar todos os papéis que revelem seja o que for acerca de mim. – Peço-lhe por favor, Excelência, suplico-lhe que satisfaça este desejo – quero que o segredo que Deus me confiou continue a ser um segredo nosso – o mundo não o conhece e é assim que eu quero que seja.» (1)

«Tenho um grande pedido a fazer-lhe. – Nunca lhe pedi nada pessoalmente. – Fiquei a saber, …, que o Cardeal Spellman deseja escrever sobre mim & sobre a obra. O Bispo Morrow irá pedir a Vossa Excelência todos os documentos. – A si e ao Pe. Van Exem confiei os meus pensamentos mais profundos – o meu amor a Jesus – e o Seu terno amor por mim – por favor, não lhe dê nada de 1946. Quero que a obra continue a ser inteiramente Dele. Quando os começos se tornarem conhecidos, as pessoas passaram a pensar mais em mim – e menos em Jesus. Por favor, por amor a Nossa Senhora, não conte nem dê coisa alguma. … Ele que escreva sobre «a obra» e a nossa gente sofredora. … Nada reclamo como meu. Foi-me dada. …» (2)

«Excelência. Agora que tem nas mãos o ficheiro da nossa Sociedade – peço-lhe que destrua quaisquer cartas que eu tenha escrito a Vossa Excelência – que não estejam relacionadas com a Sociedade. - «O Chamamento» foi um delicado presente que Deus me ofereceu – a mim, indigna – não sei porque foi que Ele me escolheu – calculo que tenha sido como as pessoas que nós apanhamos na rua – porque são aqueles que ninguém quer. Desde o primeiro (dia) até hoje – esta minha nova vocação foi um prolongado «Sim» a Deus – sem olhar sequer ao preço a pagar. – A minha convicção de que «a obra é Dele» - é mais do que realidade. – Nunca duvidei. Só me magoa que as pessoas me tratem como fundadora, porque sei com certeza que Ele me pediu - «Queres fazer isto por Mim?» Tudo foi Dele – eu apenas tive que me render aos Seus planos – à Sua vontade. – Hoje, a obra Dele cresceu porque é Ele, e não eu, que a faz através de mim. Estou de tal maneira convencida disto – que de boa vontade daria a minha vida para o demonstrar.» (3)

Não se ficam por estes textos os pedidos de destruição de cartas e documentos em que a Madre Teresa de Calcutá descreve a sua vivência da fé e o chamamento que Deus lhe fez para levar a cabo a obra das Missionárias da Caridade.
Realmente ela insiste permanentemente com os seus Directores Espirituais, bem como com os Bispos sucessores do Arcebispo Périer, (a quem dirigiu as cartas acima citadas), para que todas as cartas e documentos que “chamem a atenção” para si, sejam queimados, destruídos.

Podem calcular, (por aquilo que escrevo logo no início), como a “descoberta” desta humildade “específica” de Madre Teresa, me tocou, me questionou, me colocou perante tantas mudanças que preciso fazer ainda e sempre na minha vida.

O livro é todo ele a exortação de uma humildade e de uma fé inabaláveis, numa completa entrega a Jesus Cristo e à Sua vontade.

Quando este livro foi publicado, vieram alguns dizer que Madre Teresa tinha tido dúvidas de fé.
Nada mais errado, (quanto a mim), pois o que o livro, ou aliás os seus escritos demonstram, é uma fé inabalável, que mesmo atravessando um deserto de anos, mesmo vivendo em permanência a “noite escura” da “ausência de Deus”, não deixa de acreditar que, sendo essa a vontade de Deus, Ele acaba por estar presente nesse deserto, nessa “ausência”.

Voltarei a este tema da “noite escura” de Madre Teresa, que por vezes nos toca a todos em momentos, (graças a Deus), mais ou menos rápidos, mas que nela e noutros Santos, foi um viver constante, constituindo assim um testemunho de fé intocável.

E recomendo a todos a leitura deste livro, sem mais considerações, que as não tenho, porque ficariam muito aquém da beleza do que nele está escrito, beleza essa que me faz lembrar as palavras de D. António Marto, Bispo de Leiria-Fátima, referindo-se à «Beleza do Rosto de Deus.»

Por vezes, ao lermos livros sobre as Santas e Santos, quedamo-nos pelo “maravilhoso”, ou seja, pelos milagres que Deus por sua intercessão operou nos homens, quando realmente o mais maravilhoso, é aquilo que Deus fez na vida daquelas mulheres e daqueles homens, (em tudo iguais a nós), transformando o seu viver num constante testemunho da presença de Deus no meio de nós, “apenas” porque elas e eles foram capazes de se abrir inteiramente à vontade de Deus, “apenas” porque foram capazes de “desaparecer” para Ele aparecer!

Tanto caminho a percorrer!
Assim nós nos saibamos entregar inteiramente a Deus, (em todos os estados de vida a que formos chamados), para podermos por Sua graça, viver a Sua vontade, e assim testemunharmos verdadeiramente a Sua presença nas nossas vidas, a Sua presença no meio de nós.

Notas:
1,2,3 – Cartas de Madre Teresa de Calcutá ao Arcebispo Périer entre 1956 e 1960.

Joaquim Mexia Alves

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