01 fevereiro, 2011

Somos “MÁQUINAS DESEJANTES"


O desejo Potência da alma

O que fazemos ou deixamos de fazer deve-se em grande medida aos desejos que nos movem, aos objectivos que elegemos como termo de um caminhar.
O desejo, em si mesmo, não é bom nem mau; é uma “potência da alma”, próprio do homem na sua condição de ser vivo, por isso escrevia Aristóteles: “todo o homem, por natureza, deseja”; é um sinal de vida e de vitalidade interior. 
Como potência ou força de que o Criador nos dotou, cabe-nos fazer bom uso dessa faculdade. Saber orientar os nossos desejos e as nossas paixões é próprio dos sábios, dos que se deixam educar e formar pela Sabedoria de Deus, com paciência e fortaleza. 
Ao desejo alia-se a liberdade na escolha do que se quer, e ambos, o desejo e a liberdade, reclamam a razão (para ver o bem). O desejo sem liberdade é uma prisão, uma imposição, uma escravatura; e o desejo sem razão é uma besta ou um furacão destruidor: “não queirais ser como o cavalo sem entendimento que só com o cabresto se pode domar, de contrário não se aproximaria de ti”. O desejo mal orientado é um vício, instinto animalesco, por outro lado, se for bem direccionado é uma virtude, uma verdadeira liberdade pois “foi para a verdadeira liberdade que Cristo nos libertou”; e como força interior do homem tanto pode ser dirigida para agir bem como para fazer o mal, capaz do melhor e capaz do pior, daí que o homem se possa tornar ou santo ou demónio.

O problema da orientação do desejo

O problema está então na orientação dessa força: quando se dirige unicamente para si mesmo, torna-se mesquinho e destruidor, são os maus desejos que conduzem ao pecado. Quando o desejo vai em direcção ao outro, pelo bem que para ele se deseja, o homem torna-se construtor e magnânimo em grandeza de alma amadurecida e purificada. Fechados sobre nós mesmos (consequência do pecado original) muitas vezes os cristãos não sentem nenhuma atracão por Deus, não estão apaixonados por Cristo, não sentem desejo de santidade, mornos no seu contentamento fecham a porta a qualquer tipo de desejo que possa operar mudanças espirituais ou que nos possa arrancar do pequeno mundo que construímos para nossa segurança. De facto, discutimos apaixonadamente os últimos episódios da telenovela que faz furor no momento, debitamos na ponta da língua o rol completo dos jogadores de qualquer modalidade desportiva das últimas décadas, vestimos a camisola pelo clube e pagamos religiosamente as cotas, mostrando com orgulho o cartão de sócio, devoramos as revistas cor de rosa e não perdemos uma oportunidade para fazer “fofoca”, mas somos ignorantes no conhecimento da Lei de Deus, dos mandamentos da Santa Igreja e das nossas obrigações para com Deus e para com os outros. Movidos pelos nossos interesses e desejos aguentamos filas de horas para comprar ou ver o que nos apetece, e aparecemos roxos de tanta excitação no último evento cultural, recreativo ou desportivo; o desejo de uma imagem de moda obriga-nos a dietas loucas, a privações doentias, a tratamentos dolorosos e dispendiosos; mas esforçamo-nos pouco por agir com misericórdia nas obras próprias dos cristãos. 
São estes alguns sinais de decadência, sinais de um desejo egoísta, voltado sobre si mesmo, sem horizonte de futuro, sem fome de santidade, e por isso a caminho da sua própria destruição. É o triunfo do pecado.

É urgente purificar os nossos desejos

Passar de um mero “eros” de concupiscência a um “agapé” de dádiva de si mesmo, com bons objectos de desejo e onde a capacidade de discernimento e eleição não esteja posto de fora. 
No nosso agir somos muitas vezes, demasiadas vezes, emotivos; hipotecamos a razão para fazer não o que devemos mas o que nos apetece. A mensagem do Evangelho não anula a potência desejante do homem, alia-a à sabedoria de quem quer fazer caminho e entrar pela porta estreita, a porta da cruz no acesso à bem-aventurança. A graça não anula a natureza, purifica-a, aperfeiçoa-a e dá-lhe maior potência no agir bem. 
De facto, todos desejamos ser felizes, a questão está no tipo de felicidade que elegemos, uma felicidade pequena faz de nós pessoas ridículas, fáceis, banais, levianas, ocos, vazios, insípidos; por outro lado uma felicidade grande, autêntica, duradoira, faz de nós homens grandes, realizados e santos. Para esta santidade concorrem todas as “potências da alma”: o desejo, o entendimento e o pensar, a memória e a vontade; são como que a base de um agir bem em obras boas, acções que nos dignificam e que aproximam uns dos outros e de Deus. “Julgai por vós mesmos” diz-nos o Senhor. Este julgar quer dizer ver, discernir e pesar, por si mesmo sem deixarmos que outros o façam por nós, é não nos deixarmos enganar por falsos brilhos. DEUS caritas est Julgar é disciplinar, é purificar “para dar ao homem, não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértice da existência daquela beatitude para que tende todo o nosso ser” (Deus Caritas est, 4). 
A vontade de conhecer a Deus como resposta ao seu chamamento à felicidade, a disposição a ama-l’O sobre todas as coisas e a servi-l’O no nosso próximo, são os únicos caminhos onde o insaciável desejo do homem descobre algum apaziguamento, onde a sensação de falta de algo que nos acompanha toda a vida tem alguma quietação. Somos “máquinas desejantes”, assim nos fez Deus para, com coração e rins purificados, desejarmos sempre e em todos os momentos a maior glória de Deus, até ao dia em que ficarmos plenamente saciados com a visão plena da glória da Trindade nos seus anjos e nos seus santos.
Frei Gonçalo OFM
Labat – 22.2.2007

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