25 junho, 2011

O Espírito, força que transforma

“O Espírito é também força que transforma o coração da comunidade eclesial para ser, no mundo, testemunha do amor do Pai, que quer fazer da humanidade uma única família, em seu Filho.” - Bento XVI, “Deus caritas est, 19”
O exercício efectivo da caridade

Na segunda parte da Encíclica o Santo Padre debruça-se sobre o exercício efectivo da caridade. Isto quer dizer que assume tudo o que anteriormente foi dito com uma realidade dinâmica, sempre a renovar e a visitar, e que tem consequências práticas. A medida do amor de Deus é a referência primeira e última de todo o agir cristão.
Nada se dá como definitivo ou adquirido na marcha da história do homem ou das comunidades. As opções que se tomam de uma vez para sempre têm de ser regularmente reafirmadas pois corre-se o risco de esmorecer, desanimar ou ceder às tentações de desvio face a novas propostas que enfraquecem aquela opção primeira. Isto é valido em todos os aspectos da nossa vida.
O desejo ou o querer que hoje me anima, ou que anima a uma comunidade, amanhã tem obrigatoriamente de ser revisto, ou para o reafirmar ou para o reajustar. A tentação do desânimo enfraquece os bons propósitos que um dia fizemos, e os bons propósitos que ontem fizemos hoje podem ter de se adaptar porque as situações mudaram, atendendo que não se perca ou desvirtue o essencial.
 O discernimento dos sinais dos tempos e das necessidades de cada momento obrigam a esta dinâmica e impedem a fossilização da pessoa e da comunidade.
O sopro de Deus imagem bíblica do Espírito

Não é por acaso que uma das mais bonitas imagens bíblicas do Espírito Santo é o sopro de Deus. O sopro que reaviva as brasas que ameaçam ficar em carvões frios é o mesmo vento que, soprando onde quer, empurra uma embarcação para o seu destino.
Na vida amorosa dos casais o reacender do amor professado diante do altar de Deus no dia do Matrimónio tem de ser fortalecida com renovadas provas de amor, e também o modo de amar e viver o amor de um casal que celebra as suas bodas de prata ou ouro, é diferente da vivência amorosa de um jovem casal.
A realidade continua a ser a mesma mas assume diferentes contornos conforme os tempos e as necessidades, e nós somos transformados e moldados segundo a força do Espírito para em cada momento darmos a devida resposta ao desafio do amor de Deus.
A criatividade atenta do amor que inventa a cada momento novos modos de se dizer, expressar e actualizar, respondendo oportunamente às necessidades da vida. Saber traduzir em vida, em gestos concretos, é trabalho de cada um que olha as suas circunstâncias e nelas descobre o campo fértil para lançar a semente.
É um trabalho pessoal que ninguém pode fazer pelo outro, traduzir em acção o ideal da caridade que é Deus.
A fonte trinitária do Amor de Deus

Na primeira parte o Santo Padre colocou diante dos nossos olhos essa realidade tão nova e tão antiga que é o Amor de Deus e que continua a cativar pela sua absoluta novidade, ao mesmo tempo que encanta pela sua constância e actualidade.
Amor de Deus não é uma coisa do passado remoto do tempo dos Patriarcas bíblicos ou dos Apóstolos do Cordeiro, mas uma realidade viva do hoje da minha história, este tempo que me toca viver, hic et nunc, com o nosso Deus que a cada momento é novidade.
Toda a acção da Igreja, e de cada um dos elementos da comunidade eclesial, tem a sua origem e fonte no Amor Trinitário de que nos falou o Papa na primeira parte da Encíclica. Esse Amor encarnou em Jesus Cristo e encarna cada dia nos gestos e palavras concretas da acção do cristão e da Igreja.
Esta encarnação da caridade que acontece sempre que amo com o mesmo amor que sou amado por Deus, não pode ser uma roupagem que se põe ou tira para usar só em momentos solenes e especiais da nossa vida, mas a nossa própria maneira de ser e de estar no mundo.
Os frutos da fé e do Espírito em nós

Os frutos da fé, os frutos da acção do Espírito Santo em nós não podem ser coisas de dias de festas, mas realidades constantes no todo da nossa vida, em cada instante e em cada momento da nossa vida como se isso fosse o nosso modo habitual de estar no mundo. É por estes frutos que damos testemunho d’Aquele que nos amou primeiro, e este testemunho é obrigação dos crentes que manifestam ao mundo a fé no Deus-caridade.
O serviço da caridade é parte integrante do testemunho a que é chamada a comunidade eclesial. Saber e estudar o amor de Deus, celebra-lo liturgicamente, e vivê-lo na prática como testemunho do que se sabe e do que se celebra, são três aspectos inseparáveis e todos de grande importância, falhar ou esquecer um é falhar e esquecer todos.
Note-se que o exercício da caridade ou o amor efectivo e concreto, não é simplesmente uma consequência da fé, mas o modo próprio de viver essa fé, é expressão da própria identidade da Igreja.
A caridade congrega na unidade como no princípio em que os Apóstolos tinham um só coração e uma só alma, e manifesta a unidade da Trindade, que cada cristão por si e toda a comunidade é chamado a testemunhar.
“A caridade de Cristo impele-nos” dizia S. Paulo, impele-nos a conhecer, a celebrar, e a testemunhar, quebrando todos os limites do egoísmo e dispondo à partilha na promoção da pessoa humana, seja ela quem for, como filho muito amado do Pai.
Não se pode romper esta unidade do modo de ser cristão sob o risco de desvirtuar a mensagem de Jesus e de nos tornarmos, como diz S. João, mentirosos: “quem diz que ama a Deus que não vê e não ama o irmão que vê é mentiroso e a verdade não está nele”.
Amados por Deus sejamos capazes de amar todos os que Deus ama.
Frei Gonçalo Figueiredo
Labat n.º 73, de Junho de 2007

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