30 maio, 2019

Papa na Romênia, o ecumenismo discreto dos gestos

 
 
Num tweet, o Papa Francisco recorda a Viagem Apostólica à Roménia "como peregrino, para caminhar junto com os irmãos da Igreja Ortodoxa Romena e com os fiéis católicos." Uma jornada que começa na onda de tantos gestos "invisíveis", mas fortes, que falam de um desejo renovado de diálogo entre católicos ortodoxos e romenos
 
Alessandro De Carolis - Bucareste

A catedral é uma construção imponente que sobressai nos céus sobre Bucareste. Ao mesmo tempo, ainda é um canteiro de obras, com guindastes por toda parte emitindo sons como sinos mecânicos, pois não obstante os milhares de metros quadrados já construídos, o projeto ainda prevê alguns anos de construção.

A continuidade dos trabalhos equivale a dizer pó e cimento diariamente, mas no último período também a gentileza das flores, para que o grande hóspede que está prestes a chegar possa contemplar a beleza da construção espiritual, adornada como para uma festa.

Assim, naquelas flores cuidadosamente arranjadas, não haveria nada de especial, excepto a nova catedral ortodoxa que se tornará mais bela para a visita do líder da Igreja Católica. Aqui, na tarde de sexta-feira, Francisco rezará o "Pai Nosso" com o patriarca ortodoxo Daniel, num dos vários momentos ecuménicos que marcarão a 30ª Viagem Apostólica de seu Pontificado. 

O convite inesperado

Precisamente em torno do compromisso mais "icónico", a oração do "Pai Nosso", amadureceu a notícia mais surpreendente. Uma declaração do Patriarcado, divulgada por toda a mídia romena, diz literalmente que "todas as pessoas que queiram participar no encontro do patriarca Daniel com o Papa Francisco na nova Catedral ortodoxa, podem ir até à esplanada da Catedral, algumas horas antes".

Um convite explícito como nunca visto antes, seguido pela descrição do programa, uma ponte e não uma parede a ser atravessada pelos fiéis ortodoxos, que diz muito sobre o clima de partilha, assim como as flores contam mais do que o simples dever da decoração. 

O ecumenismo dos primeiros tempos

E acima de tudo, porque o das flores não é o único indício. Para além dos nós ainda não desfeitos, das diferenças e dos acertos, percebe-se na comunidade ortodoxa romena à espera do Papa, uma espécie de ecumenismo dos gestos, um sentimento que atravessa como uma silenciosa corrente os dias e as horas da vigília.

Um ecumenismo "notícia", poder-se-ia dizer numa ênfase jornalístico.  Como a que foi ao ar há alguns dias, oportuno dizer,  quando o responsável pela comunicação da visita papal, padre Wilhelm Danca, falou aos microfones da "Trinitas TV", a conhecida emissora nacional ortodoxa.

Também aqui poder-se-ia objetar que um comentário na televisão, com vista à chegada do Papa, não seria exatamente uma notícia, não fosse o facto de ser a primeira vez que um sacerdote católico coloca os pés nos estúdios de TV do Patriarcado romeno. 

O imprevisto é lindo

E os indícios deste silencioso desejo de comunhão são percebidos em tantos aspetos desta longa espera pela viagem do Papa. No registo de um convite, por assim dizer, aquele dirigido ao patriarca Daniel pela Igreja Greco-católica, por ocasião da beatificação, no próximo domingo em Blaj, dos sete bispos mártires.
 
Também neste caso, um gesto tão belo quanto inesperado, se considerarmos o peso histórico das questões não resolvidas que ainda existem na Roménia na relação entre a comunidade ortodoxa e a católica do rito bizantino.

Não se sabe se o patriarca Daniel aceitará o convite, no entanto, ele mesmo dispôs que o Metropolita Iosif estivesse presente em nome do Patriarcado, na Missa presidida por Francisco na sexta-feira às 18h10, hora local, na Catedral de São José, em Bucareste. 

O eco do choro

No início do mês, em Sófia, o Papa tinha enfatizado os três ecumenismos que podem unir os cristãos para além das divisões da história: o do sangue, o dos pobres e o da missão.

A vigília de Bucareste fala de um ecumenismo de corações, que parece pressionar a partir de baixo o que a história bloqueou de cima e que o presente ainda não ousa. E é difícil não reconhecer uma semelhança, um apelo poder-se-ia dizer, como aquele acontecido há vinte anos, o grito "a partir de baixo", da multidão em direção ao alto representado por João Paulo II e o patriarca ortodoxo Teoctist, selado por um abraço. Quase um viático para a viagem que Francisco retoma na esteira da precedente, sinais que de forma alguma podem não agradar ao Papa que ama os gestos concretos, as mangas arregaçadas, o Papa habituado a iniciar processos mesmo em espaços que poucos vêem.

VN

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