22 fevereiro, 2019

Cardeal Gracias: bispos devem enfrentar colegialmente a crise dos abusos


Encontro sobre a "Proteção dos menores na Igreja" prosseguirá até domingo, 24 de fevereiro   (Vatican Media)

O segundo dia de trabalhos do Encontro sobre a "Proteção dos menores na Igreja" trata sobretudo da “prestação de contas”, discutindo as soluções a serem adotadas de acordo com o Direito Canónico para avaliar os casos em que os pastores falharam na sua responsabilidade e agiram com negligência. O primeiro relator do dia foi o arcebispo de Bombay, Cardeal Oswald Gracias 

Raimundo de Lima - Cidade do Vaticano 

Prossegue na Sala Nova do Sínodo, no Vaticano, esta sexta-feira (22/02), no seu segundo dia de atividades, o Encontro sobre a proteção dos menores na Igreja, que se realizará até este domingo, 24 de fevereiro.

Este segundo dia de trabalhos com os presidentes das Conferências episcopais do mundo inteiro trata sobretudo da “prestação de contas”, discutindo as soluções a serem adotadas de acordo com o Direito Canónico para avaliar os casos em que os pastores falharam na sua responsabilidade e agiram com negligência.

O primeiro relator do dia foi o arcebispo de Bombay, na Índia, cardeal Oswald Gracias, cuja exposição teve como título Accountability (prestação de contas) numa Igreja Colegial e Sinodal.

Já em sua introdução o purpurado indiano ressaltou que a experiência de abusos sexuais presente em algumas partes do mundo não é um fenómeno limitado e que a Igreja deve assumir uma ótica honesta, fazer discernimentos rigorosos e agir de modo decisivo para impedir que se verifiquem abusos no futuro, fazendo o possível para favorecer a recuperação das vítimas. 

Esforço do Papa e da Igreja para enfrentar a crise

O cardeal Gracias observou que a importância e o alcance universal deste desafio levaram o Papa Francisco a convocar este encontro, ressaltando o esforço do Pontífice e da Igreja para enfrentar essa crise.

Com a ajuda de Deus, disse, será possível modelar e definir o modo em que a Igreja inteira, a nível regional, nacional, diocesano local e até mesmo paroquial, assumirá a tarefa de enfrentar os abusos sexuais internamente.
“Portanto, a sinodalidade pode ser verdadeiramente vivida incorporando todas as decisões e as medidas derivantes de cada um destes diferentes níveis, tendo bases vinculadoras.”
O arcebispo de Bombay acrescentou que isso inclui o envolvimento dos leigos, homens e mulheres. Enquadrando tudo isso numa perspectiva pessoal, prosseguiu:

“Nenhum bispo deveria dizer a si mesmo: ‘enfrento este problema e desafio-os sozinho’. Porque pertencemos ao colégio dos bispos, em união com o Santo Padre, partilhamos accountability (a prestação de contas) e responsabilidade. A colegialidade é um contexto essencial para enfrentar as feridas de abuso infligidas às vítimas e à Igreja em geral. Nós bispos precisamos de voltar mais vezes ao ensinamento do Concílio Vaticano II para nos encontrarmos na mais ampla missão e ministério da Igreja.”

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O purpurado indiano disse ver a esse propósito uma ampla margem de ulteriores progressos no âmbito dessa colegialidade. Talvez se possa progredir, conseguindo esclarecer alguns pontos, entre os quais, destacou que não se pode ignorar que na Igreja tivemos dificuldades em enfrentar a questão do abuso de modo justo; estreitamente ligado a este ponto se encontra a vontade de admitir pessoalmente os erros e pedir ajuda.

O cardeal Gracias se disse convencido de que não existem alternativas reais à colegialidade e à sinodalidade, resumindo o desafio enfrentado juntos. 

O desafio dos abusos sexuais na Igreja

O abuso sexual de menores e adultos na Igreja revela uma complexa rede de fatores interligados entre os quais: psicopatologia, decisões morais pecaminosas, ambientes sociais que permitem o abuso, respostas institucionais e pastorais muitas vezes inadequadas ou claramente danosas ou falta de respostas.

O abuso perpetrado por clérigos, acrescentou (bispos, sacerdotes, diáconos) e por outros que servem na Igreja (por exemplo professores, catequistas, treinadores) traduzem-se em danos incalculáveis quer diretos, quer indiretos. 

Justiça

Embora o abuso sexual seja muitas coisas, entre as quais violação e traição da confiança, na sua raiz é um ato de grave injustiça. As vítimas falam do seu sentimento de terem sido injustamente violadas. “Uma obrigação fundamental que diz respeito a todos nós, individualmente e colegialmente, é dar justiça àqueles que foram violados.” 

Recuperação

Além de defender a justiça, observou o cardeal, uma Igreja colegial representa a recuperação. “Certamente, essa recuperação deve alcançar as vítimas dos abusos. Deve também estender-se às pessoas atingidas, incluído as comunidades cuja confiança foi traída ou duramente colocada à prova.

“A primeira mensagem, dirigida em particular às vítimas, é uma solidariedade respeitosa e o reconhecimento honesto da sua dor e do seu sofrimento. Embora isto pareça óbvio, nem sempre se verificou. Ignorar ou minimizar aquilo que as vítimas experimentaram exaspera-lhes a dor e retarda a sua recuperação. No seio de uma Igreja colegial podemos unir-nos na consideração e na compaixão para alcançar a compreensão.” 

Peregrinação

Tomando a imagem de povo peregrino de Deus, o purpurado ressaltou que esta condição significa que somos uma comunidade continuamente chamada ao arrependimento e ao discernimento. “Devemos arrepender-nos e fazê-lo colegialmente, porque falimos ao longo do caminho. Devemos procurar o perdão”, enfatizou.

“Há muito a ser feito. Com os desdobramentos da crise dos abusos, sabemos que não existe uma solução fácil ou rápida. Estamos sintonizados para seguir em frente, passo a passo e juntos. Isto requer discernimento.”

Para assumir esta colegialidade, a fim de enfrentar a questão da prestação de contas e responsabilidade, o cardeal indiano propôs na sua conclusão, reivindicar a nossa identidade no colégio apostólico unido ao Sucessor de Pedro, e fazê-lo com humildade e franqueza; invocar coragem e audácia, porque o percurso não está traçado com grande precisão e exatidão; abraçar o caminho do discernimento prático, porque queremos realizar aquilo que Deus quer de nós nas circunstâncias concretas da nossa vida; e ser dispostos a pagar o preço de seguir a vontade de Deus em circunstâncias incertas e dolorosas.

VN

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