28 fevereiro, 2019

Papa na Casa de Santa Marta: há a misericórdia de Deus, mas também a sua ira


Missa Santa Marta  (Vatican Media)

Não se deixe vencer pelas paixões, não espere para converter o seu coração a Deus. O Papa Francisco, na homilia da missa matinal na Casa de Santa Marta, convida a fazer todos os dias o exame de consciência, uma breve avaliação das ações que realizamos porque "nenhum de nós tem a certeza de como a vida vai acabar". 

Benedetta Capelli - Cidade do Vaticano 

Parar, tomar consciência dos próprios fracassos, saber que o fim pode vir de um momento para outro e não viver repetindo que a compaixão de Deus é infinita: uma justificação para fazer o que se quer. O Papa Francisco, na homilia da missa da manhã na Casa de Santa Marta, retoma "os conselhos" contidos no Livro do Eclesiástico e exorta a mudar o coração, a converter-se ao Senhor. 

Domine as paixões

"A sabedoria é algo cotidiano": destaca Francisco, nasce da reflexão sobre a vida e do parar para pensar como vivemos. Vem escutando as sugestões, como as do Eclesiástico, que se assemelham às indicações "de um pai a um filho, de um avô ao neto".

Não siga os seus instintos, a sua força, seguindo as paixões do seu coração. Todos nós temos paixões. Mas tenha cuidado, domine as paixões. Pegue-as na mão, as paixões não são coisas más, são, por assim dizer, o "sangue" para realizar muitas coisas boas, mas se  não for capaz de dominar as suas paixões, elas irão dominá-lo. Pare, pare.

Não adie a sua conversão

O foco do Papa é sobre a relatividade da vida. Ele cita o verso de um salmo que diz: "Ontem eu passei – disse Francisco - e vi um homem; hoje voltei e não estava mais ali". Nós não somos eternos - sublinha o Pontífice - não podemos pensar fazer o que queremos, confiando na misericórdia infinita de Deus.

Não seja tão imprudente, ao arriscar e crer que se vai dar bem. "Ah, eu me dei bem até agora, eu vou conseguir ...". Não. Se se deu bem, sim, mas agora não sabe... Não diga: "a compaixão de Deus é grande, Ele irá perdoar os meus muitos pecados", e assim eu continuo a fazer o que quero. Não diga isso. E o último conselho desse pai, desse "avô", "Não espere para se converter ao Senhor", não espere para se converter, para mudar de vida, para aperfeiçoar a sua vida, para arrancar de si o joio mau, todos nós temos, devemos arrancá-lo ... "Não espere para se converter ao Senhor e não adiar de dia em dia, porque de repente se manifestará a ira do Senhor ". 

Cinco minutos para mudar o coração

"Não espere para se converter": este é o convite do Papa, que exorta a não adiar a mudança de vida, a tocar com as mãos os fracassos e insucessos que cada um tem, a não ter medo, mas a ser "mais soberano", mais capaz de dominar o que nos apaixona.
 
Façamos este pequeno exame de consciência todos os dias para nos convertermos ao Senhor: "Mas amanhã tentarei fazer com que isso não aconteça mais". Acontecerá, talvez, um pouco menos, mas conseguiu governar e não ser governado pelas suas paixões, pelas muitas coisas que nos acontecem, porque nenhum de nós tem a certeza de como a sua vida terminará e quando terminará. Esses 5 minutos no final do dia ajudarão muito a pensar e a não adiar a mudança do coração e a conversão ao Senhor. Que o Senhor nos ensine com a sua sabedoria a seguir esse caminho.


VN

27 fevereiro, 2019

Papa: o Pai-Nosso educa quem o invoca a não multiplicar palavras vazias

 
 
No percurso de redescoberta da oração do Pai-Nosso, Francisco aprofundou com os fiéis a primeira das sete invocações da oração: "Santificado seja o vosso nome".
 
Mariangela Jaguraba - Cidade do Vaticano

O Papa Francisco prosseguiu o seu ciclo de catequeses sobre o Pai-Nosso, na  Audiência Geral desta quarta-feira (27/02), que contou com a participação de mais de dez mil pessoas, na Praça de São Pedro. A catequese de hoje teve como tema “Santificado seja o vosso nome”.

Neste percurso de redescoberta da oração do Pai-Nosso, o Papa aprofundou com os fiéis a primeira das sete invocações da oração.

O Papa ressaltou que as perguntas do Pai-Nosso são sete, divididas em dois grupos. “As primeiras três têm no centro o “Vosso” de Deus Pai. As outras quatro têm no centro o “nós” e as nossas necessidades humanas. Na primeira parte, Jesus faz-nos entrar nos seus desejos, todos dirigidos ao Pai: “Santificado seja o vosso nome. Venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade”. Na segunda parte é Ele que entra em nós e torna-se intérprete das nossas necessidades: o pão nosso de cada dia, o perdão dos pecados, a ajuda na tentação e a libertação do mal”. 

Entrega de nós mesmos a Deus
 
“Aqui está a matriz de toda oração cristã, diria de toda oração humana, que é sempre feita, por um lado, de contemplação de Deus, do seu mistério, da sua beleza e bondade e, por outro lado, de sinceros e corajosos pedidos do que precisamos para viver e viver bem.
“ Assim, na sua simplicidade e essência, o Pai-Nosso educa qum o invoca a não multiplicar palavras vazias, porque, como Jesus  disse, o «vosso Pai sabe do que tendes necessidade antes de Lhe pedirdes». ”
“Quando falamos com Deus, não o fazemos para revelar a Ele o que temos nos nossos corações: Ele sabe muito melhor do que nós mesmos! Se Deus é um mistério para nós, nós não somos um enigma aos seus olhos. Deus é como aquelas mães que basta um olhar para entenderem tudo sobre os seus filhos: se estão felizes ou tristes, se são sinceros ou escondem alguma coisa”, disse o Papa.

O primeiro passo da oração cristã é mesmo a nossa entrega a Deus, à sua providência. É como dizer: “Senhor, vós sabeis tudo, não precisas que eu vos conte a minha dor. Peço-te somente que estejais aqui perto de mim: vós sois a minha esperança”. 

Santidade de Deus deve refletir-se nas nossas ações
 
“É interessante notar que Jesus, no discurso da montanha, logo após ter ensinado o “Pai-Nosso”, exorta-nos a não nos preocuparmos com as coisas. Parece uma contradição: primeiro, ensina-nos a pedir o pão de cada dia e depois diz-nos: «Não fiquem preocupados, acrescentando: o que vamos comer? O que vamos beber? O que vamos vestir? Mas a contradição é apenas aparente: as perguntas do cristão manifestam a confiança no Pai; e é precisamente essa confiança que nos faz pedir o que precisamos sem preocupação e agitação. É por isso que rezamos dizendo: “Santificado seja o vosso nome!”

Segundo o Papa, na primeira pergunta, “sente-se a admiração de Jesus pela beleza e grandeza do Pai, e o desejo de que todos o reconheçam e o amem por aquilo que realmente é. Ao mesmo tempo, a súplica para que o seu nome seja santificado em nós, na nossa família, na nossa comunidade e no mundo inteiro. É Deus que santifica, que nos transforma com o seu amor, mas ao mesmo tempo nós também, com o nosso testemunho, manifestamos a santidade de Deus no mundo, tornando o seu nome presente”.

“Deus é santo, mas se nós, se a nossa vida não é santa, há uma grande incoerência! A santidade de Deus deve refletir-se nas nossas ações, na nossa vida. Sou cristão, Deus é santo, mas eu faço coisas feias. Não. Isso não serve. Isso faz mal, escandaliza e não ajuda”, disse ainda Francisco. 

A oração afasta o medo
 
“A santidade de Deus é uma força em expansão, e nós o suplicamos para que quebre rapidamente as barreiras do nosso mundo. Quando Jesus começa a rezar, o primeiro a pagar as consequências é o mal que aflige o mundo. Os espíritos malignos maldizem: «O que queres de nós, Jesus Nazareno? Vieste para arruinar-nos? Sei quem tu és: o santo de Deus!”

“Nunca se viu uma santidade assim”, frisou o Papa, “não preocupada consigo mesma, mas orientada para fora. Uma santidade que se espalha em círculos concêntricos, como quando se joga uma pedra no lago. O mal tem os seus dias contados, o mal não pode mais prejudicar-nos: chegou o homem forte que toma posse da tua casa. Esse homem forte é Jesus, que nos dá a força para tomar posse de nossa casa interior”.

O Papa concluiu a sua catequese, dizendo que “a oração afasta todo o medo”. O Pai ama-nos, o Filho está ao nosso lado, e o Espírito trabalha em segredo para a redenção do mundo. “Não vacilemos na incerteza. Mas temos uma grande certeza: Deus ama-me; Jesus deu a sua vida por mim! O Espírito está dentro de mim. Esta é a grande certeza. E o mal? Tem medo.”

VN

26 fevereiro, 2019

Quaresma: Papa propõe “conversão” na relação com a natureza



O Papa publicou hoje a sua mensagem para a Quaresma 2019, que os católicos começam a celebrar no dia 6 de março, com um apelo à “conversão” na relação da humanidade com a natureza, levando a estilos de vida mais solidários e ecológicos. “Quando não vivemos como filhos de Deus, muitas vezes adotamos comportamentos destruidores do próximo e das outras criaturas – mas também de nós próprios –, considerando, de forma mais ou menos consciente, que podemos usá-los como bem nos apraz”, escreve Francisco, num texto divulgado hoje pelo Vaticano. A mensagem alerta para as consequências do que é apresentado como a “intemperança”, uma atitude que “viola os limites que a nossa humana e a natureza pedem para respeitar”. 

"Se não estivermos voltados continuamente para a Páscoa, para o horizonte da Ressurreição, é claro que acaba por se impor a lógica do tudo e imediatamente, do possuir cada vez mais”.

A mensagem tem como título ‘A criação encontra-se em expetativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus’, expressão retirada da carta de São Paulo aos Romanos, um dos textos do Novo Testamento. O Papa contrapõe a “lei de Deus, a lei do amor” à “lei do mais forte sobre o mais fraco”, considerando que esta é uma manifestação do mal, “como avidez, ambição desmedida de bem-estar, desinteresse pelo bem dos outros e muitas vezes também pelo próprio”. Esse mal leva à “exploração da criação (pessoas e meio ambiente)”, para alimentar uma “ganância insaciável que considera todo o desejo como um direito”.
Evocando o ‘Cântico do irmão sol’ de São Francisco de Assis, o santo que inspirou a escolha do nome do Papa para o pontificado e o nome da sua encíclica ecológica, ‘Laudato si’, Francisco sublinha que os santos “rendem louvor a Deus e, com a oração, a contemplação e a arte, envolvem nisto também as criaturas”. Esta harmonia, acrescenta a mensagem, está ameaçada “pela força negativa do pecado e da morte”.

"Trata-se daquele pecado que leva o homem a considerar-se como deus da criação, a sentir-se o seu senhor absoluto e a usá-la, não para o fim querido pelo Criador, mas para interesse próprio em detrimento das criaturas e dos outros”.

O Papa propõe a todos os católicos uma caminha de preparação para a Páscoa marcada pelo “arrependimento, a conversão e o perdão”, com manifestações na vida pessoal e social, “particularmente através do jejum, da oração e da esmola”.
“Peçamos a Deus que nos ajude a realizar um caminho de verdadeira conversão. Abandonemos o egoísmo, o olhar fixo em nós mesmos, e voltemo-nos para a Páscoa de Jesus; façamo-nos próximo dos irmãos e irmãs em dificuldade, partilhando com eles os nossos bens espirituais e materiais”, conclui o texto, simbolicamente datado de 4 de outubro de 2018, dia da festa litúrgica de São Francisco de Assis.
A Quaresma, que começa com a celebração de Cinzas, é um período marcado por apelos ao jejum, partilha e penitência, que serve de preparação para a Páscoa, a principal festa do calendário cristão.

Ecclesia 

Patriarcado de Lisboa

Quaresma 2019: converter-nos para fazer da criação um jardim, não um deserto


O cuidado com a Casa Comum inspirou a mensagem do Papa para a Quaresma  (Vatican Media)

A criação clama pela conversão dos filhos de Deus, escreve o Papa Francisco na sua mensagem para a Quaresma 2019. 

Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano 

O tema da criação inspirou a mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2019.
O texto foi divulgado esta terça-feira (26/02) na Sala de Imprensa da Santa Sé, com o título “A criação encontra-se em expectativa ansiosa, aguardando a revelação dos filhos de Deus”, extraído de Romanos 8,19.

O Pontífice oferece algumas propostas de reflexão para acompanharem o caminho de conversão nesta Quaresma. 

A redenção da criação

O Pontífice destaca que a criação se beneficia da redenção do homem quando este vive como filho de Deus, isto é, como pessoa redimida. Neste mundo, porém, adverte Francisco, “a harmonia gerada pela redenção continua ainda – e sempre estará – ameaçada pela força negativa do pecado e da morte”. 

A força destruidora do pecado
 
Com efeito, prossegue o Papa, quando não vivemos como filhos de Deus, muitas vezes adotamos comportamentos destruidores do próximo, das outras criaturas, mas também de nós mesmos. Isso leva a um estilo de vida que viola os limites que a nossa condição humana e a natureza nos pedem para respeitar, seguindo desejos incontrolados.
“ Se não estivermos voltados continuamente para a Páscoa, para o horizonte da Ressurreição, é claro que acaba por se impor a lógica do tudo e imediatamente, do possuir cada vez mais. ”
A aparição do mal no meio dos homens interrompeu a comunhão com Deus, com os outros e com a criação, ao ponto de o jardim se transformar num deserto.

Trata-se daquele pecado que leva o homem a considerar-se como deus da criação, explica o Papa, a sentir-se o seu senhor absoluto. Quando se abandona a lei de Deus, a lei do amor, acaba por se afirmar a lei do mais forte sobre o mais fraco.

“O pecado, manifestando-se como avidez, ambição desmedida de bem-estar, desinteresse pelo bem dos outros – leva à exploração da criação (pessoas e meio ambiente), movidos por aquela ganância insaciável que considera todo o desejo um direito e que, mais cedo ou mais tarde, acabará por destruir inclusive quem se encontra dominado por ela.” 

A força sanadora do arrependimento e do perdão
 
Por isso, a criação tem impelente necessidade que se revelem os filhos de Deus. E o caminho rumo à Páscoa chama-nos precisamente a restaurar a nossa fisionomia e o nosso coração de cristãos, através do arrependimento, a conversão e o perdão, para podermos viver toda a riqueza da graça do mistério pascal.

A Quaresma chama os cristãos a encarnarem, de forma mais intensa e concreta, o mistério pascal na sua vida pessoal, familiar e social, particularmente através do jejum, da oração e da esmola.

Jejuar, isto é, aprender a modificar a nossa atitude para com os outros e as criaturas: passar da tentação de «devorar» tudo para satisfazer a nossa voracidade, à capacidade de sofrer por amor, que pode preencher o vazio do nosso coração. Orar, para saber renunciar à idolatria e à auto-suficiência do nosso eu, e declararmos-nos necessitados do Senhor e da sua misericórdia. Dar esmola, para sair da insensatez de viver e acumular tudo para nós mesmos.
“ Queridos irmãos e irmãs, a ‘quaresma’ do Filho de Deus consistiu em entrar no deserto da criação para fazê-la voltar a ser aquele jardim da comunhão com Deus. Que a nossa Quaresma seja percorrer o mesmo caminho, para levar a esperança de Cristo também à criação. ”
 VN

Papa confirma proibição do ministério episcopal do Cardeal Pell


Cardeal George Pell  (AAP Image)

Para assegurar o percurso da justiça o Santo Padre confirmou as medidas cautelares já adotadas em relação ao cardeal George Pell pelo ordinário do lugar ao retorno purpurado à Austrália. Ou seja, que na espera da averiguação definitiva dos fatos, está proibido ao cardeal Pell, a título de medida cautelar, o exercício público do ministério e, segundo a norma, todo e qualquer tipo de contacto com menores de idade 

Cidade do Vaticano 

“A Santa Sé se une ao que foi declarado pelo presidente da Conferência Episcopal Australiana ao tomar conhecimento da sentença de condenação em primeiro grau do cardeal George Pell”, afirma numa declaração o diretor interino da Sala de Imprensa da Santa Sé, Alessandro Gisotti.

Uma notícia dolorosa que, bem o sabemos, chocou muitíssimas pessoas, não somente na Austrália. Como já afirmado noutras ocasiões – continua a declaração –, reiteramos o máximo respeito pelas autoridades judiciárias australianas.

Em nome deste respeito, esperamos agora o êxito do julgamento da apelação, recordando que o cardeal Pell reiterou a sua inocência e tem o direito a defender-se até ao último grau.

À espera do julgamento definitivo – lê-se ainda –, unimo-nos aos bispos australianos na oração por todas as vítimas de abuso, reiterando o nosso compromisso de fazer tudo o que possível para que a Igreja seja uma casa segura para todos, especialmente para as crianças e os mais vulneráveis.


“Para assegurar o percurso da justiça o Santo Padre confirmou as medidas cautelares já adotadas em relação ao cardeal George Pell pelo ordinário do lugar ao retorno do cardeal Pell à Austrália. Ou seja, que na espera da averiguação definitiva dos factos, está proibido ao cardeal Pell, a título de medida cautelar, o exercício público do ministério e, segundo a norma, todo e qualquer tipo de contacto com menores de idade”, conclui a declaração.

VN

25 fevereiro, 2019

Papa: não entregar a vida à lógica de mecanismos que decidem o seu valor

 
 
“Precisamente quando a humanidade possui capacidades científicas e técnicas para alcançar um bem-estar equitativamente difundido, observamos uma intensificação de conflitos e um aumento das desigualdades", disse Francisco no seu discurso. 
 
Cidade do Vaticano

O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta segunda-feira (25/02), na Sala Clementina, no Vaticano, os participantes na assembleia plenária da Pontifícia Academia para a Vida que celebra os seus vinte e cinco anos de fundação.

O Pontífice frisou que por ocasião do aniversário, enviou ao presidente do organismo vaticano, dom Vincenzo Paglia, no mês passado, a Carta Humana communitas que recorda explicitamente o tema das “tecnologias emergentes e convergentes”.

“O que me motivou a escrever essa mensagem foi o desejo de agradecer a todos os presidentes que assumiram a liderança da Academia e todos os membros pelo serviço competente e  pelo compromisso generoso de tutelar e promover a vida humana nesses vinte e cinco anos de atividades.” 

Intensificação de conflitos e um aumento das desigualdades
 
“Conhecemos as dificuldades em que o nosso mundo se debate. O tecido das relações familiares e sociais parece desgastar-se cada vez mais e difunde-se a tendência do fechar-se em si mesmo e nos próprios interesses individuais, com graves consequências sobre a «grande e decisiva questão da unidade da família humana e o seu futuro»”, disse Francisco, citando um trecho da Carta Humana communitas.

O Papa chamou a atenção para um paradoxo dramático: “Precisamente quando a humanidade possui capacidades científicas e técnicas para alcançar um bem-estar equitativamente difundido, observamos uma intensificação de conflitos e um aumento das desigualdades.”

“O desenvolvimento tecnológico permitiu-nos resolver problemas até poucos anos insuperáveis. O “poder fazer” pode obscurecer quem faz e para quem se faz. O sistema tecnocrático baseado no critério da eficiência não responde às questões mais profundas que o homem se faz. Se de um lado não é possível dispensar os seus recursos, de outro, ele impõe a sua lógica a quem o utiliza.” 

A técnica é característica do ser humano
 
“No entanto, a técnica é característica do ser humano”, ressaltou o Papa, e “não deve ser entendida como uma força que lhe é estranha e hostil, mas como um produto do seu talento, que garante as exigências do viver para si e para os outros. É uma modalidade especificamente humana de habitar o mundo.”

“No entanto, a evolução atual da capacidade técnica produz um encanto perigoso: em vez de entregar à vida humana os instrumentos  que melhoram a sua cura, corre-se o risco de entregar a vida à lógica de mecanismos que decidem o seu valor. Essa inversão está destinada a produzir resultados nefastos: a máquina não se limita a dirigir-se sozinha, mas acaba guiando o homem. A razão humana é assim reduzida a uma racionalidade alienada dos efeitos, que não pode ser considerada digna do homem.” 

Técnica a serviço da humanidade
 
O Papa enfatizou “os sérios danos causados ao planeta, nossa casa comum, pelo uso indiscriminado de meios técnicos”, destacando que “a bioética global é uma frente importante na qual trabalhar”.

“Ela expressa a consciência da profunda incidência dos fatores ambientais e sociais sobre a saúde e a vida. Tal abordagem está em sintonia com a ecologia integral, descrita e promovida na Encíclica Laudato si'”, sublinhou.

“A inteligência artificial, robótica e outras inovações tecnológicas devem ser usadas a fim de contribuir para o serviço da humanidade e para a proteção da nossa Casa comum, e não para o oposto, como infelizmente, prevêem algumas estimativas. A dignidade inerente de todo ser humano deve estar firmemente colocada no centro de nossa reflexão e ação.” 

Aliança ética a favor da vida humana
 
Francisco sublinhou que “é real o risco de o homem ser tecnologizado, em vez de a técnica ser humanizada”. “São atribuídas às “máquinas inteligentes” capacidades que são propriamente humanas”, ressaltou.

Segundo o Papa, o “nosso compromisso, intelectual e especialista, será um ponto de honra para a nossa participação na aliança ética a favor da vida humana”.

“Um projeto que agora, num contexto em que mecanismos  tecnológicos cada vez mais sofisticados envolvem diretamente as qualidades humanas do corpo e da psique, torna-se urgente partilhar com todos os homens e mulheres comprometidos com a pesquisa científica e com o trabalho de cura. É uma tarefa difícil, certamente, dado o ritmo acelerado da inovação.”

Francisco concluiu, incentivando a todos a “prosseguir no estudo e na pesquisa a fim de que a obra de promoção e defesa da vida seja cada vez mais eficaz e fecunda”.

VN

Papa: Pastoral familiar, campo fecundo de colaboração entre ortodoxos e católicos

 
 
Na manhã desta segunda-feira o Papa Francisco recebeu em audiência no Vaticano uma delegação da Apostolikì Diakonia, da Igreja Greco-ortodoxa, oportunidade em que destacou os avanços na colaboração conjunta, em especial na área cultural e educacional, mas também na pastoral familiar, "um campo que requer ser cultivado com paixão e urgência."
 
Jackson Erpen – Cidade do Vaticano

A colaboração existente há mais de 15 anos com o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos - com ​​projetos culturais e educacionais com a participação de jovens estudantes  - e a fecunda colaboração entre ortodoxos e católicos no âmbito da pastoral familiar, foram os aspetos destacados pelo Papa ao receber em audiência na manhã dessa segunda-feira na Sala dos Papas, uma delegação da Apostolikì Diakonia, guiada pelo bispo Agathanghelos.

“Peço-vos logo um favor – disse Francisco no início de seu pronunciamento - transmitam, no vosso regresso a Atenas, as minhas cordiais e fraternas saudações à Sua Beatitude Ieronymos II, que há poucos dias celebrou, no dia 16 de fevereiro, o décimo primeiro aniversário da sua entronização”.

O Santo Padre também pediu, “por intercessão do apóstolo Paulo - que pregou o Evangelho na Grécia e realizou o seu testemunho até o martírio aqui em Roma - para cumular de graças o amado povo grego”. 

Jovens ensinam o desejo de caminhar juntos


A colaboração existente há mais de 15 anos entre a Apostolikì Diakonia e o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, teve como frutos, entre outros,  “louváveis ​​projetos culturais e educacionais”. Este – enfatizou o Pontífice - “é um bom exemplo de como é frutífero que católicos e ortodoxos trabalhem juntos”.
 
Nestas iniciativas, especialmente “jovens estudantes das nossas Igrejas, experimentaram como o que temos em comum é muito mais do que o que nos mantém distantes. Realizar juntos, ajuda a redescobrir-nos irmãos”, sublinhou Francisco, que acrescentou:

“Os jovens ensinam-nos a não permanecer prisioneiros das diferenças, mas a despertar o desejo de caminhar juntos, sonhando a superação das dificuldades que impedem a plena comunhão. Cabe a nós continuar a caminhar juntos, a fazer juntos, a redescobrir-nos irmãos. Passo a passo, nas coisas que fazemos, poderemos vislumbrar, com a ajuda de Deus, a sua presença de amor que nos une numa comunhão cada vez mais forte”.

Neste sentido, o Papa pede a graça de que se caminhe desta forma, “não cada um pelo seu próprio caminho, perseguindo as próprias metas, como se o outro fosse apenas alguém que a história colocou ao meu lado, mas como irmãos que a Providência fez encontrar e que seguem juntos em direção ao único Senhor, carregando os pesos um do outro, regozijando-se um pelos passos do outro”. 

Cuidado pastoral da família


A pastoral familiar – disse então o Pontífice - é um “ulterior campo fecundo de colaboração entre ortodoxos e católicos, um campo que requer ser cultivado com paixão e urgência”. E observa:
 
“Neste tempo, caracterizado por mudanças muito rápidas na sociedade, que se refletem numa crescente fragilidade interior, as famílias cristãs, embora pertencendo a diferentes áreas geográficas e culturais, são provadas por muitos desafios semelhantes. E nós somos chamados a estar próximos deles, a ajudar as famílias a redescobrirem o dom do matrimónio e a beleza de proteger o amor, que se renova em cada dia na paciente e sincera partilha e na força suave da oração”.

Mesmo que a vida em família não aconteça de acordo com a plenitude do ideal do Evangelho e não aconteça em paz e alegria, diz o Papa, somos chamados a estar próximos dela:

“Juntos, portanto, no respeito das respectivas tradições espirituais, podemos colaborar ativamente para promover, em vários contextos nacionais e internacionais, atividades e propostas que dizem respeito às famílias e aos valores familiares”.

Ao agradecer novamente a visita, o Papa pediu aos presentes para que reservassem um lugar para ele, nas suas orações.

VN

24 fevereiro, 2019

Cardeal-patriarca anuncia criação de novas medidas (c/vídeo)

Foto: Ricardo Perna / Família Cristã


O cardeal-patriarca de Lisboa disse hoje no Vaticano que a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) vai ter novas medidas no combate e prevenção aos abusos sexuais, após a cimeira mundial convocada pelo Papa Francisco. “Todos temos de trabalhar a sério, porque isto é um problema global e tem de ter uma solução global”, sustentou D. Manuel Clemente, em declarações aos jornalistas portugueses, após a Missa conclusiva do encontro sobre proteção de menores, presidida pelo Papa Francisco.

O Vaticano vai oferecer a todas as Conferências Episcopais um “vade-mécum”, documento orientador que recolhe, entre outros, os resultados da discussão levada a cabo por 190 participantes no encontro sobre proteção de menores, que decorreu desde quinta-feira, no Vaticano, reunindo presidentes de Conferências Episcopais e chefes de Igrejas Orientais, superiores gerais de institutos religiosos, membros da Cúria Romana e do Conselho de Cardeais. Para D. Manuel Clemente, o novo documento orientador, “mais preciso, mais articulado, mais operativo”, ajuda a “concertar” esforços e oferece “ideias mais concretas”, que ajudam a desenvolver as diretrizes que a CEP implementou desde 2012. O texto deve ser analisado “ainda antes” da assembleia plenária do episcopado católico português, em abril. “Esse vade-mécum, de normas mais concretas e operativas, até nos vai facilitar o serviço”, observou. Nos termos dessas diretrizes, lembrou D. Manuel Clemente, sempre que há uma denúncia, há uma investigação, quer com o Direito Canónico, quer com o Direito Civil, “envolvendo sempre, com certeza, as famílias e o próprio que acusa”. “Não vamos ultrapassar essas instâncias. Depois segue o processo normal, quer na via da Igreja, quer na via do Estado. É assim que tem de ser”, explicou.

Questionado sobre a proposta deixada nos trabalhos de divulgar publicamente estatísticas sobre números de casos e sobre a eventualidade de um estudo aprofundado em Portugal, o presidente da CEP admitiu que isso “é possível”. “Tudo aquilo que for necessário fazer para que as coisas se esclareçam, para que se avance, há de ser feito”, apontou. D. Manuel Clemente considera que o problema dos abusos de menores é “destrutivo” e “tem de ser levado a sério em termos espirituais”. É algo de muito profundo, que tem de ser erradicado. O Papa presta-nos esse serviço de ter uma visão tão alargada, tão empenhativa da problemática e, com certeza, todos nós vamos levar isto muito a sério”. O cardeal-patriarca destacou a “originalidade” desta cimeira e o modelo escolhido pelo Papa “para resolver um problema grave”, num debate aberto a vários participantes e que decorreu com “toda a franqueza”. “Isto é um exercício de Igreja no seu melhor. Por isso, estou muito grato, estamos todos, ao Papa Francisco, por ter feito algo assim, que eu creio que também é um exemplo para todos nós”, sustentou.
D. Manuel Clemente @patriarcalisboa
O encontro sobre a proteção de menores, convocado pelo Papa Francisco, é um exemplo para todos nós, como Igreja e como sociedade, sobre como resolver este problema tão profundo e destrutivo que tem de ser erradicado. Obrigado @Pontifex_pt    
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O presidente da CEP elogiou ainda o discurso final do pontífice, pronunciado na manhã de domingo, com “uma análise exaustiva da problemática dos abusos de menores, na sociedade, na Igreja, nas culturas, nas comunidades religiosas”.“É também um grande serviço que o Papa acaba por prestar a todos nós, porque somos membros da Igreja, no nosso caso, e membros da sociedade, e em todos estes âmbitos devemos ser responsáveis e corresponsáveis”, declarou. Recordando os testemunhos de vítimas de abusos como um momento de “muita intensidade, muita verdade” e “muita conversão”, D. Manuel Clemente falou depois da defesa do celibato sacerdotal, que foi questionado por várias associações de vítimas e defendido pelo Papa Francisco. “Isto é que é importante e tem sido reforçado: que ninguém aceda ao sacerdócio na Igreja Latina sem que se reconheça efetivamente que há esse carisma celibatário. É esta a insistência, e cada vez maior”, assumiu.A inédita cimeira convocada pelo Papa contou com testemunhos de vítimas, relatórios e reflexões de bispos e religiosos dos cinco continentes, bem como de uma vaticanista mexicana, sobre a comunicação nestes casos.


 
Ecclesia 

A reportagem em Roma no Encontro sobre Proteção de Menores na Igreja é realizada em parceria para a Agência Ecclesia, Família Cristã, Flor de Lis, Rádio Renascença, SIC e Voz da Verdade. 

Patriarcado de Lisboa
 

Papa: diante do mistério do mal, proteger os menores dos lobos vorazes



O «significado» existencial deste fenómeno criminoso, "tendo em conta a sua amplitude e profundidade humana, só pode ser a manifestação atual do espírito do mal. Sem ter presente esta dimensão, permaneceremos longe da verdade e sem verdadeiras soluções (...). Estamos perante uma manifestação do mal, descarada, agressiva e destruidora (...), que no seu orgulho e soberba, se sente o dono do mundo e pensa que venceu", alertou o Papa no seu discurso.

Cidade do Vaticano

O Papa Francisco presidiu na manhã deste domingo, 24, na Sala Régia do Palácio Apostólico, a Santa Missa com os presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo e superiores de Congregações, presentes no Encontro sobre a Proteção dos Menores e Adultos Vulneráveis na Igreja. Eis o seu pronunciamento:

"Amados irmãos e irmãs!
 
Ao dar graças ao Senhor que nos acompanhou nestes dias, quero agradecer também a todos vós pelo espírito eclesial e o empenho concreto que manifestastes com tanta generosidade.

O nosso trabalho levou-nos a reconhecer, uma vez mais, que a gravidade do flagelo dos abusos sexuais contra menores é um fenómeno historicamente difuso, infelizmente, em todas as culturas e sociedades. Mas, apenas em tempos relativamente recentes, se tornou objeto de estudos sistemáticos, graças à mudança de sensibilidade da opinião pública sobre um problema considerado tabu no passado, ou seja, todos sabiam da sua existência, mas ninguém falava nele. Isto traz-me à mente também a prática religiosa cruel, difusa no passado em algumas culturas, de oferecer seres humanos – frequentemente crianças – como sacrifícios nos ritos pagãos. Todavia, ainda hoje, as estatísticas disponíveis sobre os abusos sexuais contra menores, compiladas por várias organizações e organismos nacionais e internacionais (Oms, Unicef, Interpol, Europol e outros), não apresentam a verdadeira extensão do fenómeno, muitas vezes subestimado, principalmente porque muitos casos de abusos sexuais de menores não são denunciados, sobretudo os numerosíssimos abusos cometidos no interior da família.

De facto, as vítimas raramente desabafam e buscam ajuda. Por trás desta relutância, pode estar a vergonha, a confusão, o medo de retaliação, os sentimentos de culpa, a dificiencia nas instituições, os condicionalismos culturais e sociais, mas também a falta de informação sobre os serviços e as estruturas que podem ajudar. Infelizmente, a angústia leva à amargura, e mesmo ao suicídio, ou por vezes a vingar-se, fazendo o mesmo. A única coisa certa é que milhões de crianças no mundo são vítimas de exploração e de abusos sexuais.

Seria importante referir os dados gerais – na minha opinião, sempre parciais – a nível global e sucessivamente a nível da Europa, da Ásia, das Américas, da África e da Oceânia, para ter um quadro da gravidade e profundidade deste flagelo nas nossas sociedades. Para evitar discussões desnecessárias, quero antes de mais nada salientar o que a menção de alguns países tem por único objetivo citar os dados estatísticos referidos nos citados Relatórios.

A primeira verdade que resulta dos dados disponíveis é esta: quem comete os abusos, ou seja, as violências (físicas, sexuais ou emotivas) são sobretudo os pais, os parentes, os maridos de esposas-meninas, os treinadores e os educadores. Além disso, segundo os dados Unicef de 2017 relativos a 28 países no mundo, em cada 10 meninas-adolescentes que tiveram relações sexuais forçadas, 9 revelam que foram vítimas duma pessoa conhecida ou próxima da família.

De acordo com os dados oficiais do governo americano, nos Estados Unidos mais de 700.000 crianças são, anualmente, vítimas de violência e maus tratos. Segundo o Centro Internacional para Crianças Desaparecidas e Exploradas (Icmec), uma em cada 10 crianças sofre de abuso sexuais. Na Europa, 18 milhões de crianças são vítimas de abusos sexuais.

Se tomarmos o exemplo da Itália, o relatório 2016 de «Telefone Azul» salienta que 68,9% dos abusos acontece dentro das paredes domésticas do menor.

Palco de violências não é apenas o ambiente doméstico, mas também o do bairro, da escola, do desporto e, infelizmente, também o ambiente eclesial.

Dos estudos realizados, nos últimos anos, sobre o fenómeno dos abusos sexuais contra menores, resulta também que o desenvolvimento da web e dos mass-media contribuiu para aumentar significativamente os casos de abusos e violências perpetrados on-line. A difusão da pornografia cresce rapidamente no mundo através da internet. O flagelo da pornografia assumiu dimensões assustadoras, com efeitos deletérios sobre a psique e as relações entre homem e mulher, e entre estes e os filhos. Um fenómeno em crescimento contínuo. Uma parte considerável da produção pornográfica tem, infelizmente, por objeto os menores, que deste modo ficam gravemente feridos na sua dignidade. Estudos neste campo documentam que isto acontece sob formas cada vez mais horríveis e violentas; chega-se ao extremo dos atos de abuso sobre menores comissionados e seguidos ao vivo através da internet.

Lembro aqui o Congresso internacional realizado em Roma sobre o tema da dignidade da criança na era digital; bem como o primeiro Fórum da Aliança Inter-religiosa para Comunidades mais Seguras, que teve lugar, sobre o mesmo tema, no passado mês de novembro, em Abu Dhabi.

Outro flagelo é o turismo sexual: anualmente, segundo os dados 2017 da Organização Mundial de Turismo, três milhões de pessoas no mundo viajam para ter relações sexuais com um menor. Facto significativo é que, na maior parte dos casos, os autores de tais crimes não sabem que estão a cometer um reato.

Estamos, pois, diante dum problema universal e transversal que, infelizmente, existe em quase toda a parte. Devemos ser claros: a universalidade de tal flagelo, ao mesmo tempo que confirma a sua gravidade nas nossas sociedades, não diminui a sua monstruosidade dentro da Igreja.

A desumanidade do fenómeno, a nível mundial, torna-se ainda mais grave e escandalosa na Igreja, porque está em contraste com a sua autoridade moral e a sua credibilidade ética. O consagrado, escolhido por Deus para guiar as almas à salvação, deixa-se subjugar pela sua fragilidade humana ou pela sua doença, tornando-se assim um instrumento de satanás. Nos abusos, vemos a mão do mal que não poupa sequer a inocência das crianças.

Não há explicações suficientes para estes abusos contra as crianças. Com humildade e coragem, devemos reconhecer que estamos perante o mistério do mal, que se encarniça contra os mais frágeis, porque são imagem de Jesus. É por isso que atualmente cresceu na Igreja a consciência do dever que tem de procurar não só conter os gravíssimos abusos com medidas disciplinares e processos civis e canónicos, mas também enfrentar decididamente o fenómeno dentro e fora da Igreja. Sente-se chamada a combater este mal que atinge o centro da sua missão: anunciar o Evangelho aos pequeninos e protegê-los dos lobos vorazes.

Quero repetir aqui claramente: ainda que na Igreja se constatasse um único caso de abuso – o que em si já constitui uma monstruosidade –, tratar-se-á dele com a máxima seriedade. De facto, na ira justificada das pessoas, a Igreja vê o reflexo da ira de Deus, traído e esbofeteado por estes consagrados desonestos. O eco do grito silencioso dos menores, que, em vez de encontrar neles paternidade e guias espirituais, acharam algozes, fará abalar os corações anestesiados pela hipocrisia e o poder. Temos o dever de ouvir atentamente este sufocado grito silencioso.

É difícil, porém, compreender o fenómeno dos abusos sexuais contra os menores sem a consideração do poder, pois aqueles são sempre a consequência do abuso de poder, a exploração duma posição de inferioridade do indefeso abusado que permite a manipulação da sua consciência e da sua fragilidade psicológica e física. O abuso de poder está presente também nas outras formas de abusos de que são vítimas quase oitenta e cinco milhões de crianças, no esquecimento geral: as crianças-soldado, os menores prostituídos, as crianças desnutridas, as crianças raptadas e frequentemente vítimas do monstruoso comércio de órgãos humanos, ou então transformadas em escravos, as crianças vítimas das guerras, as crianças refugiadas, as crianças abortadas, etc.

Perante tanta crueldade, tanto sacrifício idólatra das crianças ao deus poder, dinheiro, orgulho, soberba, não são suficientes meras explicações empíricas; estas não são capazes de fazer compreender a amplitude e a profundidade deste drama. A hermenêutica positivista demonstra, mais uma vez, a sua limitação. Dá-nos uma explicação verdadeira que nos ajudará a tomar as medidas necessárias, mas não é capaz de nos indicar o significado. E hoje precisamos de explicações e significados. As explicações ajudar-nos-ão imenso no setor operativo, mas deixar-nos-ão a meio do caminho.

Qual seria então o «significado» existencial deste fenómeno criminoso? Hoje, tendo em conta a sua amplitude e profundidade humana, só pode ser a manifestação atual do espírito do mal. Sem ter presente esta dimensão, permaneceremos longe da verdade e sem verdadeiras soluções.

Irmãos e irmãs, estamos hoje perante uma manifestação do mal, descarada, agressiva e destruidora. Por detrás e dentro disto está o espírito do mal, que, no seu orgulho e soberba, se sente o dono do mundo e pensa que venceu. Isto gostaria de vo-lo dizer com a autoridade de irmão e pai (pequeno, sem dúvida, mas que é o pastor da Igreja que preside na caridade): nestes dolorosos casos, vejo a mão do mal que não poupa sequer a inocência dos pequeninos. E isto leva-me a pensar no exemplo de Herodes que, impelido pelo medo de perder o seu poder, ordenou massacrar todas as crianças de Belém.

E assim como devemos tomar todas as medidas práticas que o bom senso, as ciências e a sociedade nos oferecem, assim também não devemos perder de vista esta realidade e tomar as medidas espirituais que o próprio Senhor nos ensina: humilhação, acusar-mo-nos nós mesmos, oração, penitência. É o único modo de vencer o espírito do mal. Foi assim que Jesus o venceu.

Assim, o objetivo da Igreja será ouvir, tutelar, proteger e tratar os menores abusados, explorados e esquecidos, onde quer que estejam. Para alcançar este objetivo, a Igreja deve elevar-se acima de todas as polémicas ideológicas e as políticas jornalísticas que frequentemente instrumentalizam, por vários interesses, os próprios dramas vividos pelos pequeninos.

Por isso, chegou a hora de colaborarmos, juntos, para erradicar tal brutalidade do corpo da nossa humanidade, adotando todas as medidas necessárias já em vigor a nível internacional e a nível eclesial. Chegou a hora de encontrar o justo equilíbrio de todos os valores em jogo e dar diretrizes uniformes para a Igreja, evitando os dois extremos: nem judicialismo, provocado pelo sentimento de culpa face aos erros passados e pela pressão do mundo midiático, nem autodefesa que não enfrenta as causas e as consequências destes graves delitos.

Desejo, neste contexto, citar as «Boas Práticas» formuladas, sob a guia da Organização Mundial da Saúde, por um grupo de dez Agências internacionais que desenvolveu e aprovou um pacote de medidas chamado INSPIRE, isto é, sete estratégias para acabar com a violência contra as crianças.

Valendo-se destas diretrizes, a Igreja, no seu percurso legislativo, graças também ao trabalho feito nos últimos anos pela Comissão Pontifícia para a Tutela dos Menores e à contribuição deste nosso Encontro, concentrar-se-á sobre as seguintes dimensões:

1. A tutela das crianças: o objetivo primário das várias medidas é proteger os pequeninos e impedir que caiam vítimas de qualquer abuso psicológico e físico. Portanto, é necessário mudar a mentalidade combatendo a atitude defensivo-reativa de salvaguardar a Instituição em benefício duma busca sincera e decidida do bem da comunidade, dando prioridade às vítimas de abusos em todos os sentidos. Diante dos nossos olhos, devem estar sempre presentes os rostos inocentes dos pequeninos, recordando as palavras do Mestre: «Se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem em Mim, seria preferível que lhe suspendessem do pescoço a mó de um moinho e o lançassem nas profundezas do mar. Ai do mundo, por causa dos escândalos! São inevitáveis, decerto, os escândalos, mas ai do homem por quem vem o escândalo!» (Mt 18, 6-7).

2. Seriedade impecável: gostaria de reiterar, aqui, que a Igreja «não poupará esforços fazendo tudo o que for necessário para entregar à justiça todas as pessoas que tenham cometido tais delitos. A Igreja não procurará jamais dissimular ou subestimar qualquer um destes casos» (Discurso à Cúria Romana, 21/XII/2018). É sua convicção que «os pecados e crimes das pessoas consagradas matizam-se de cores ainda mais foscas de infidelidade, de vergonha e deformam o rosto da Igreja, minando a sua credibilidade. De facto, a própria Igreja, juntamente com os seus filhos fiéis, é vítima destas infidelidades e destes verdadeiros crimes de peculato» (Ibidem).

3. Uma verdadeira purificação: apesar das medidas tomadas e os progressos realizados em matéria de prevenção dos abusos, é necessário impor um renovado e perene empenho na santidade dos pastores, cuja configuração a Cristo Bom Pastor é um direito do povo de Deus. Reitera-se, pois, «a firme vontade de prosseguir, com toda a força, pelo caminho da purificação. A Igreja (…) questionar-se-á como proteger as crianças; como evitar tais calamidades, como tratar e reintegrar as vítimas; como reforçar a formação nos seminários. Procurar-se-á transformar os erros cometidos em oportunidades para erradicar este flagelo não só do corpo da Igreja, mas também do seio da sociedade» (Ibidem). O temor santo de Deus leva a acusar-nos – como pessoa e como instituição – e a reparar as nossas falhas. Acusar-se a si próprio: é um início sapiencial, associado ao temor santo de Deus. Aprender a acusar-se a si próprio, como pessoa, como instituição, como sociedade. Na realidade, não devemos cair na armadilha de acusar os outros, que é um passo rumo ao álibi que nos separa da realidade.

4. A formação: ou seja, as exigências da seleção e formação dos candidatos ao sacerdócio com critérios não só negativos, visando principalmente excluir as personalidades problemáticas, mas também positivos oferecendo um caminho de formação equilibrado para os candidatos idóneos, tendente à santidade e englobando a virtude da castidade. Na encíclica Sacerdotalis caelibatus, São Paulo VI deixou escrito: «Uma vida tão inteira e amavelmente dedicada, no interior e no exterior, como a do sacerdote celibatário, exclui, de facto, candidatos com insuficiente equilíbrio psicofísico e moral. Não se deve pretender que a graça supra o que falta à natureza» (n.º 64).

5. Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais: ou seja, reafirmar a necessidade da unidade dos Bispos na aplicação de parâmetros que tenham valor de normas e não apenas de diretrizes. Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo. De modo particular, é preciso desenvolver um novo enquadramento eficaz de prevenção em toda as instituições e ambientes das atividades eclesiais.

6. Acompanhar as pessoas abusadas: o mal que viveram deixa nelas feridas indeléveis que se manifestam também em rancores e tendências à autodestruição. Por isso, a Igreja tem o dever de oferecer-lhes todo o apoio necessário, valendo-se dos especialistas neste campo. Escutar… eu diria «perder tempo» escutando. A escuta cura a pessoa ferida, e cura-nos a nós também do egoísmo, da distância, do «não me diz respeito», da atitude do sacerdote e do levita na parábola do Bom Samaritano.

7. O mundo digital: a proteção dos menores deve ter em conta as novas formas de abuso sexual e de abusos de todo o género que os ameaçam nos ambientes onde vivem e através dos novos instrumentos que utilizam. Os seminaristas, os sacerdotes, os religiosos, as religiosas, os agentes pastorais e todos os fiéis devem estar cientes de que o mundo digital e o uso dos seus instrumentos com frequência incidem mais profundamente do que se pensa. Quero aqui encorajar os países e as autoridades a aplicarem todas as medidas necessárias para limitar os websites que ameaçam a dignidade do homem, da mulher e, em particular, dos menores: o reato não goza do direito à liberdade. É absolutamente necessário opor-se com a máxima decisão a tais abomínios, vigiar e lutar para que o desenvolvimento dos pequeninos não seja perturbado nem abalado por um acesso descontrolado à pornografia, que deixará sinais negativos profundos na sua mente e na sua alma. Devemos esforçar-nos por que as jovens e os jovens, particularmente os seminaristas e o clero, não se tornem escravos de dependências baseadas na exploração e no abuso criminoso dos inocentes e as suas imagens e no desprezo da dignidade da mulher e da pessoa humana. Destacam-se aqui as novas normas «sobre os delitos mais graves» aprovadas pelo Papa Bento XVI em 2010, onde fora acrescentado como um novo caso de delito «a aquisição, a detenção ou a divulgação», realizada por um membro do clero «de qualquer forma e por qualquer meio, de imagens pornográficas tendo por objeto, menores». Falava-se então de «menores de 14 anos»; agora achamos que devemos elevar este limite de idade para ampliar a tutela dos menores e insistir na gravidade destes factos.

8. O turismo sexual: o comportamento, o olhar, o íntimo dos discípulos e servidores de Jesus devem saber reconhecer a imagem de Deus em toda a criatura humana, a começar pelos mais inocentes. Somente bebendo neste respeito radical da dignidade do outro é que poderemos defendê-lo da força invasiva da violência, exploração, abuso e corrupção, e servi-lo de forma credível no seu crescimento integral, humano e espiritual, no encontro com outros e com Deus. Para combater o turismo sexual, é necessária a repressão judicial, mas também apoio e projetos para a reinserção das vítimas desse fenómeno criminoso. As comunidades eclesiais são chamadas a reforçar o cuidado pastoral das pessoas exploradas pelo turismo sexual. Entre estas, as mais vulneráveis e necessitadas de ajuda particular são certamente mulheres, menores e crianças; estas últimos, porém, precisam de proteção e atenção especiais. As autoridades governamentais dêem prioridade e ajam urgentemente para combater o tráfico e a exploração económica das crianças. Para isso, é importante coordenar os esforços a todos os níveis da sociedade e colaborar estreitamente também com as organizações internacionais para realizar um quadro jurídico que proteja as crianças da exploração sexual no turismo e permita perseguir legalmente os criminosos.


Permito-me um sentido agradecimento a todos os sacerdotes e consagrados que servem o Senhor com total fidelidade e se sentem desonrados e desacreditados pelos vergonhosos comportamentos de alguns dos seus confrades. Todos – Igreja, consagrados, Povo de Deus e até o próprio Deus – carregamos as consequências das suas infidelidades. Agradeço, em nome da Igreja inteira, à grande maioria dos sacerdotes que não só permanecem fiéis ao seu celibato, mas gastam-se num ministério que hoje se tornou ainda mais difícil pelos escândalos de poucos (mas sempre demasiados) dos seus irmãos. E obrigado também aos fiéis que conhecem bem os seus bons pastores e continuam a rezar por eles e a apoiá-los.

Por fim, gostaria de assinalar a importância de dever transformar este mal em oportunidade de purificação. Fixemos o olhar na figura de Edith Stein (Santa Teresa Benedita da Cruz), com a certeza de que, «na noite mais escura, surgem os maiores profetas e os santos. Todavia a corrente vivificante da vida mística permanece invisível. Certamente, os eventos decisivos da história do mundo foram essencialmente influenciados por almas sobre as quais nada se diz nos livros de história. E saber quais são as almas a quem devemos agradecer os acontecimentos decisivos da nossa vida pessoal, é algo que só conheceremos no dia em que tudo o está oculto for revelado». No seu silêncio quotidiano, o santo Povo fiel de Deus continua de muitas formas e maneiras a tornar visível e a atestar com «obstinada» esperança que o Senhor não abandona, que apoia a dedicação constante e, em muitas situações, atribulada dos seus filhos. O santo e paciente Povo fiel de Deus, sustentado e vivificado pelo Espírito Santo, que é o rosto melhor da Igreja profética que, na sua doação diária, sabe colocar no centro o seu Senhor. Será precisamente este santo Povo de Deus que nos libertará do flagelo do clericalismo, que é o terreno fértil para todos estes abomínios.

O melhor resultado e a resolução mais eficaz que podemos oferecer às vítimas, ao Povo da Santa Mãe Igreja e ao mundo inteiro são o compromisso em prol duma conversão pessoal e coletiva, a humildade de aprender, escutar, assistir e proteger os mais vulneráveis.

VN