12 agosto, 2018

Papa: grandes sonhos precisam de Deus para não se tornarem miragens

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Jovens no Circo Máximo  (Vatican Media)
  
70 mil jovens na tarde deste sábado com o Papa no Circo Máximo, em Roma, na preparação ao Sínodo de outubro. Depois de passar entre a multidão, Francisco respondeu aos questões de alguns jovens que expressaram as suas inquietudes ao Santo Padre. 

Cidade do Vaticano 

“Por mil estradas rumo a Roma”: Desde o início da tarde deste sábado, 11,  mesmo com o forte calor, milhares de jovens italianos começaram a chegar ao Circo Máximo, em Roma, para a Vigília e o encontro com o Papa Francisco, que deixou o Vaticano às 18 horas. Mas as atividades tiveram início já às 16h30, com as boas-vindas e a animação com Christian Music (The Sun). O Papa passou de papamóvel entre a multidão e depois, no palco, respondeu às perguntas de alguns jovens. (O texto não contém as improvisações do Santo Padre):

A Primeira pergunta, foi feita por dois jovens: Letizia, 23 anos e Lucamatteu, 21. Eles expressam dois aspectos da mesma busca: a construção da própria identidade e dos próprios sonhos:

Letizia:

Caro Papa Francisco, sou Letizia, tenho 23 anos e estoua estudar na universidade. Eu gostaria de dizer ao senhor uma palavra sobre os nossos sonhos e como vemos o futuro. Quando tive que realizar a importante escolha do que fazer no final do V superior, estava com medo de confiar no que eu realmente sonhava em querer tornar-me, porque isso teria significado descobrir-me completamente aos olhos dos outros e de mim mesma.

Decidi confiar na opinião de alguns adultos que eu admirava pela profissão e pelas escolhas. Dirigi-me ao professor que mais estimava, o prof. de Artes, aquele que para mim ensinava as coisas, para mim mais apaixonantes. Disse-lhe que queria seguir o seu caminho, ser como ele. E eu escutei uma resposta que agora já não era mais como uma vez, que os tempos mudaram, que havia uma crise, que eu não encontraria trabalho e que deveria escolher um campo de estudos que respondesse melhor às exigências do mercado. "Escolha economia", disse ele. Eu senti uma grande deceção; senti-me traída no sonho que lhe tinha confiado, quando, em vez disso, eu procurava um encorajamento justamente daquela figura que eu queria imitar. No final, escolhi o meu caminho, escolhi seguir a minha paixão e estudo Arte.

Em vez disso, um dia, num oratório onde sou educadora, uma das minhas alunas disse-me para ter confiança em mim, para estimar as minhas escolhas. Ela disse-me que eu representava quase um modelo para ela e que ela gostaria de fazer o que eu fazia.

Foi alí, naquele momento, que decidi conscientemente que assumiria todo o compromisso de ser educadora: não teria sido aquele adulto traidor e desapontador, mas teria dado tempo e energia, com todos os encargos que isso poderia acarretar, porque uma pessoa confiou em mim.

Luccamatteo:

Santo Padre, quando olhamos para o nosso futuro, estamos acostumados a imaginá-lo tingido de cores cinzentas, escuras e ameaçadoras. Para lhe dizer a verdade, parece que vejo um diapositivo branco, onde não há nada ...

Às vezes tentei desenhá-lo, o meu futuro. Mas no final vejo algo que não me satisfaz. Eu tento explicar a mim mesmo: acho que somos nós que o desenhamos, mas muitas vezes acontece que partimos de um grande projeto, uma espécie de grande ar fresco ao qual, apesar de nós mesmos, tiramos pouco a pouco alguns detalhes. O resultado é que os projetos e os sonhos, por medo dos outros e do seu julgamento, acabam por ser menores do que eram no início. E acima de tudo, acabam a criar algo que nem sempre gosto ...

Papa Francisco:

Os sonhos são importantes. Eles mantêm o nosso olhar amplo, ajudam-nos a abraçar o horizonte, a cultivar a esperança em todas as ações diárias. E os sonhos dos jovens são os mais importantes de todos, são as estrelas mais luminosas, aquelas que indicam um caminho diferente para a humanidade. Assim, queridos jovens, vocês têm no vosso coração estas estrelas brilhantes que são os vossos sonhos: elas são a vossa responsabilidade e o vosso tesouro. Façam que sejam também o vosso futuro!

É claro, os sonhos precisam de crescer, são purificados, colocados à prova e também partilhados. Mas vocês nunca perguntaram de onde vêm os vossos sonhos? Eles nasceram assistindo televisão? Ouvindo um amigo? Sonhando com os olhos abertos? Eles são grandes sonhos ou sonhos pequenos, miseráveis, ​​que se contentam com o mínimo possível?

A Bíblia diz-nos que os grandes sonhos são aqueles, capazes de serem fecundos, de semear paz e fraternidade, eis que estes são sonhos grandes, porque pensam em todos com o NÓS. Os grandes sonhos incluem, envolvem, são extrovertidos, partilham, geram nova vida. E os grandes sonhos, para permanecerem como tal, têm necessidade de uma fonte inesgotável de esperança, de um Infinito que sopra dentro e os expanda. Grandes sonhos precisam de Deus para não se tornarem miragens ou delírio de omnipotência.

Vocês sabem? Os sonhos dos jovens assustam um pouco os adultos. Talvez porque eles tenham parado de sonhar e de arriscar, talvez porque os vossos sonhos de minam as suas escolhas de vida. Mas vocês, não deixem que roubem os vossos sonhos. Procurem bons professores, capazes de ajudar-vos, compreender-vos e tornar-vos concretos em gradualidade e na serenidade. Sejam por sua vez bons mestres, mestres de esperança e de confiança para as novas gerações que estão no vosso encalço. O que vocês receberam gratuitamente, coloquem de volta para circular, restituam isso, enriquecido com a paixão e vossa inteligência. A vida não é uma lotaria em que apenas os sortudos podem realizar os seus sonhos. A vida é um desafio em que se vence realmente quando se vence juntos, se não se esmaga o outro, se ninguém é excluído.

O santo Papa João XXIII dizia: "Eu nunca conheci um pessimista que tenha concluído algo de bom" (entrevista de Sergio Zavoli a Monsenhor Capovilla, em Jesus, 6, 2000). Aqui está. Mantenham um olhar positivo e abençoado nestes tempos e nos futuros. Não tenham medo, as dificuldades sempre existiram para todas as gerações e cada geração tem a tarefa de superá-las e torná-las oportunidades de bem.

A segunda pergunta é proposta por Martina, 24 anos, e diz respeito ao discernimento na vida e a ideia de compromisso e responsabilidade em relação ao mundo que os jovens estão a construir neste tempo.

Santo Padre, eu sou Martina, tenho 24 anos. À algum tempo atrás, um professor fez-me refletir sobre como a nossa geração não é capaz nem mesmo de escolher um programa na TV, muito menos de se envolver num relacionamento para toda a vida ...

Na verdade, acho difícil dizer que estou namorando. Pelo contrário, prefiro dizer "fiquei": é mais simples! Envolve menos responsabilidades, pelo menos aos olhos dos outros!

No fundo, porém, sinto fortemente que quero comprometer-me a projetar e construir desde agora uma vida juntos.

Então, eu pergunto: por que o desejo de tecer relações autênticas, o sonho de formar uma família, são considerados menos importantes do que os outros e devem ser subordinados a seguir uma realização profissional? Eu percebo que os adultos esperam isso de mim: que antes tenha uma profissão, depois começas a ser uma "pessoa".

Temos necessidade de adultos para nos recordarem como é lindo sonhar a dois! Precisamos de adultos que sejam pacientes no estar perto de nós e assim nos ensinem a paciência de estar ao lado; que nos escutem em profundidade e nos ensinem a ouvir, em vez de sempre ter razão!

Temos necessidade de pontos de referência, apaixonados e solidários.

Não achas que as figuras de adultos verdadeiramente estimulantes são raras no horizonte? Porque os adultos estão perdendo o seu senso de sociedade, de ajuda mútua, de compromisso com o mundo e nas relações? Porque isso às vezes acontece também aos padres e educadores?

Eu acredito que vale sempre a pena ser mães, pais, amigos, irmãos ... por toda a vida! E eu não quero deixar de acreditar nisto!

Papa Francisco

Escolher, ser capaz de decidir por si mesmo parece ser a mais alta expressão de liberdade. E de certo modo o é. Mas a ideia de escolha que respiramos hoje é uma ideia de liberdade sem vínculos, sem compromissos e sempre com alguma via de fuga: "Eu escolho, no entanto ...". Há sempre um "porém", que às vezes se torna maior que a escolha e o sufocar. É assim que a liberdade desmorona e não mantém mais as suas promessas de vida e felicidade. E então concluímos que também a liberdade é um engano e que a felicidade não existe.

A liberdade de cada um é um grande presente, que não admite meias medidas. Mas como todo dom é para ser acolhido, e nós o recebemos na medida em que abrimos a mente, o coração, a vida ... Com os "mas, boh, talvez, eu não sei ...", simplesmente o recusamos, e isso prova não termos entendido do que se trata e o quanto é importante. Claro, dizer "sim" pode provocar medo, causar ansiedade, encher a sua cabeça com pensamentos negativos.

Vocês sabiam que mesmo nos tempos de Jesus havia ansiedade? Não é uma invenção tão recente. Aos seus discípulos, ele diz claramente: "Não busquem ansiosamente" (cf. Lc 12,29), tenham fé! Tenham confiança! Distingam o que é importante do que não é: sejam sábios. E acrescenta: " "Pois onde estiver o vosso tesouro, ali estará também o vosso coração" (Lc 12:34).

Então devemos perguntar: onde está o meu tesouro? Onde está a coisa que considero mais preciosa? Não muitas quinquilharias, mas a única pérola preciosa. Onde? Eis que essa é a fonte da minha alegria, é o lugar onde o meu coração encontra casa, pelo qual vale a pena dizer "sim" e gastar a tua vida. Deve ser realmente algo de imenso para valer assim tanto!

Então, amigos, entendam que a escolha do casamento, de formar uma família, ou a escolha de dedicar-se a Deus e aos irmãos na consagração é uma questão de ter encontrado esse tesouro, o mais precioso. E agir de acordo. Porque foi o Senhor que escondeu esse tesouro na tua vida para abençoá-la e torná-la frutífera. A escolha pelo tesouro significa escolher o caminho da gratidão e do reconhecimento, o caminho das bem-aventuranças.

Terceira pergunta é proposta por Dario, 27 anos, e diz respeito ao tema da fé e da busca de sentido.

Santo Padre, o meu nome é Dario, tenho 27 anos e sou enfermeiro em cuidados paliativos.

Na vida são raros os momentos em que me confronto com a fé e nestas vezes entendi que as dúvidas superam as certezas, as perguntas que faço têm respostas pouco concretas e que eu não posso tocar com a mão, às vezes penso até mesmo que as respostas não são plausíveis.

Percebo que deveríamos empregar mais tempo nisto: é tão difícil no meio das muitas coisas que fazemos todos os dias ... E não é fácil encontrar um guia que tenha tempo para o debate e a busca.

E depois existem as grandes perguntas: como é possível que um Deus grande e bom (assim me disseram dele) permite as injustiças no mundo? Porque os pobres e os marginalizados têm que sofrer tanto? O meu trabalho coloca-me diariamente diante da morte e ver jovens mães ou pais de família abandonarem os seus próprios filhos faz-me perguntar: porque permitir isto?

A Igreja, mensageira da Palavra de Deus na terra, parece cada vez mais distante e fechada nos seus rituais. Para os jovens, as "imposições" de cima já não são suficientes, precisamos de provas e de um testemunho sincero da Igreja que nos acompanhe e nos escute pelas dúvidas que a nossa geração coloca todos os dias. As glórias inúteis e os frequentes escândalos tornam a  Igreja pouco credível aos nossos olhos.

Santo Padre, com que olhos podemos reler tudo isso?

Papa Francisco

Na oração do Pai Nosso, há um pedido: "Não nos induza à tentação". Esta tradução italiana foi alterada recentemente, porque poderia parecer ambígua. Pode Deus Pai "induzir-nos" à tentação? Ele pode enganar os seus filhos? Claro que não. De facto, uma tradução mais apropriada é: «Não nos abandone à tentação». Nos impeça de fazer o mal, liberte-nos dos maus pensamentos ... Às vezes as palavras, mesmo que falem de Deus, traem sua mensagem de amor. Às vezes somos nós que traímos o Evangelho.

Devemo-nos escandalizar? Claro que podemos. Mas para que serve escandalizar-mo-nos? Para se distanciar? Para se sentir melhor? Para decidir sair? Como se o rosto de uma Igreja autêntica não dependesse de cada um de nós, de cada batizado. O testemunho de fé e caridade entre os irmãos deve ser recíproco, circular, não haver alguém que testemunha e os outros fiquem assistindo, caso contrário, julgaremos a Igreja pelas notícias que passam na mídia e nos esquecemos de quantas pequenas e escondidas obras de bem realizam os cristãos em nome do Senhor.

A Igreja não é só o Papa, bispos, os sacerdotes, mas todos os batizados, e cada um é convidado a torná-la mais rica de amor, mais capaz de comunhão, menos apegada às coisas terrenas. Se vocês, jovens, não participam na vida da Igreja, se não aceitam a mensagem do Evangelho, a Igreja fica mais pobre, perde a vitalidade! A beleza e a autenticidade da Igreja depende também de vós. Os instrumentos para ouvir e compreender as boas palavras do Evangelho não faltam. Certamente cabe a vós encontrar tempo, envolverem-se nessa sabedoria repleta de doçura e de luz, mas também a mais subversiva que existe. Não se acredita se não acreditando, assim como não se ama se não amando.

Qual é o segredo? A oração É o diálogo com o Pai que dá alento à mente e ao coração. É na oração que as vossas perguntas e súplicas encontrarão as palavras certas para subir ao céu. Então, mesmo diante do mal, da dor e da morte, vocês terão a força no Espírito Santo para acolher o mistério da vida e não perder a esperança".

Após a terceira pergunta, uma jovem que perdeu a mobilidade das suas pernas foi levada ao palco. Com a ajuda de outra mulher (invisível aos olhos do público), ela executou uma pequena dança, dando a impressão de estar sentada. No final, ela foi ajudada a levantar-se e sentar-se numa cadeira de rodas. Um microfone foi levado a ela, que deixou uma breve mensagem de esperança. O Papa saudou-a, sem acrescentar comentários e a Vigília de Oração então teve início.

Papa com jovens no Circo Máximo

VATICAN NEWS

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