10 fevereiro, 2017

Papa à ‘La Civiltà Cattolica’: ser revista ponte, em diálogo com o mundo




(RV) O Papa Francisco recebeu em audiência, nesta quinta-feira (09/02), na Sala do Consistório, no Vaticano, sessenta membros da comunidade de ‘La Civiltà Cattolica’, revista da Companhia de Jesus em língua italiana.

O Pontífice manifestou satisfação de se encontrar com os escritores desse colégio e outros jesuítas da comunidade, as religiosas e todos os leigos que colaboram com os escritores na vida da revista e na administração da casa na qual vivem. O Papa saudou também os editores que a partir deste momento publicarão a revista também em espanhol, inglês, francês e coreano, e seus leitores.

Alto mar

O encontro com o Santo Padre realizou-se por ocasião da edição de número 4.000 da revista ‘La Civiltà Cattolica’. “Um marco único: a revista fez uma viagem de 167 anos no tempo e prossegue com coragem a sua navegação em alto mar”, disse Francisco.

“Permaneçam em alto mar! O católico não deve ter medo do mar, não deve buscar refúgio em portos seguros. Vocês, jesuítas, evitem se apegar às certezas e seguranças. O Senhor nos chama para sair em missão e não se aposentar para proteger certezas”, sublinhou ainda o Papa.

Segundo o Pontífice, “esta navegação não é solitária”. “Os meus predecessores, desde o Beato Pio IX a Bento XVI vos encontraram, em audiência, reconhecendo como esta navegação esteja na barca de Pedro. Este vínculo com o Pontífice é desde sempre uma característica essencial dessa revista. Continuemos a navegar impelidos pelo sopro do Espírito Santo que nos guia.”

Trabalho

“Quatro mil fascículos não são uma colecção de papeis. Há uma vida formada de reflexão, muita paixão, lutas e contradições, mas sobretudo de trabalho. Soube que os vossos antigos predecessores gostavam de ser chamados simplesmente de ‘trabalhadores’, não de ‘intelectuais’, mas ‘trabalhadores’. Gosto dessa definição que é humilde, modesta e eficaz. Santo Inácio de Loyola nos quer trabalhadores da vinha mística. Eu trabalho de uma forma, vocês de outra. Mas estamos juntos, unidos”, frisou ainda o Pontífice.

Em 1866, Pio IX instituiu a revista La Civiltà Cattolica com os Estatutos originários. “Lendo hoje os estatutos notamos uma linguagem que não é mais a nossa, mas o sentido profundo e específico da revista é bem descrito e deve permanecer imutável, ou seja, de uma revista que é expressão de uma comunidade de escritores jesuítas que partilham não somente a experiência intelectual, mas também a inspiração carismática e, no núcleo fundamental da redacção, a vida quotidiana da comunidade. O centro de La Civiltà Cattolica é o Colégio dos Escritores. Tudo deve girar em torno dele e sua missão”, disse ainda Francisco.

Novas edições

Esta missão, pela primeira vez em 167 anos, hoje vai além dos confins linguísticos do italiano.

“Estou feliz de abençoar as edições de La Civiltà Cattolica em espanhol, inglês, francês e coreano. Uma evolução que os seus predecessores, nos tempos do Concílio, tinham em mente, mas que não foi concretizada. Esta nova etapa ajudará também a ampliar seus horizontes, e a receber contribuições escritas por outros jesuítas de várias partes do mundo. A tendência da cultura viva é de se abrir, integrar, multiplicar, partilhar, dialogar, dar e receber dentro de um povo e com outros povos com os quais se relaciona.”

“La Civiltà Cattolica será sempre uma revista cada vez mais aberta ao mundo. Este é um novo modo de viver a sua missão específica, ou seja, ser uma revista católica. Porém, ser uma revista católica não significa simplesmente defender ideias católicas, como se o catolicismo fosse uma filosofia. Como disse o seu fundador Pe. Carlo Maria Curci, La Civiltà Cattolica não deve aparecer uma coisa de sacristia. Uma revista é realmente católica se possui o olhar de Cristo sobre o mundo, o transmite e o testemunha. Gosto de pensar na Civiltà Cattolica como uma revista que seja ao mesmo tempo ponte e fronteira.”

Inquietação

O Papa fez uma reflexão com a comunidade La Civiltà Cattolica destacando três palavras: inquietação, incompletude e imaginação, e deu três padroeiros, três figuras jesuítas aos quais o colégio deve olhar para ir adiante.

“Somente a inquietação dá paz ao coração de um jesuíta. Sem inquietação somos estéreis. Se vocês querem ser pontes e fronteiras devem ter a mente e o coração inquietos. Os valores e as tradições cristãs não são peças raras que devem ficar fechadas nas caixas de um museu. A certeza da fé seja o motor das vossas pesquisas”.

O Papa deu como padroeiro São Pedro Fabro (1506-1546), homem de grandes desejos, espírito inquieto, mas satisfeito, pioneiro do ecumenismo. Para Fabro, quando se apresentavam as coisas difíceis é que manifesta o espírito verdadeiro que move toda acção. Uma fé autêntica requer sempre um desejo profundo de mudar o mundo.

“Que essa revista tome consciência das feridas deste mundo e encontre terapias. Seja uma escritura que tende a compreender o mal, mas também colocar óleo nas feridas abertas, a curar”.

Incompletude

Sobre a palavra incompletude, Francisco sublinhou que “Deus é o Deus sempre maior, o Deus que nos surpreende sempre. Por isso, vocês devem ser escritores e jornalistas do pensamento incompleto, ou seja, aberto e não fechado e rígido. Que a fé abra o vosso pensamento. Deixem-se guiar pelo espírito profético do Evangelho para ter uma visão original, vital, dinâmica, não óbvia, especialmente hoje num mundo tão complexo e cheio de desafios em que parece triunfar a ‘cultura do naufrágio’, nutrida de messianismo profano, de mediocridade relativista, de suspeita e rigidez, e a ‘cultura da lata de lixo’, onde deve ser lançado fora tudo aquilo que não funciona, como se deveria, ou é considerado inútil”.

A crise é global e somente um pensamento aberto pode enfrentar a crise e a compreender para onde o mundo está andando, como se enfrentam as crises mais complexas e urgentes, a geopolítica, os desafios da economia e a grave crise humanitária ligada ao drama da migração, que é o verdadeiro problema político global dos nossos dias.

O Papa deu como ponto de referência o Servo de Deus Pe. Matteo Ricci (1522-1610). Ele compôs um grande mapa do mundo chinês representando os continentes e ilhas até então conhecidos.

“Com os vossos artigos vós sois chamados a compor um mapa do mundo: mostrar as descobertas recentes, dar um nome aos lugares, fazer conhecer qual é o significado da ‘civilização’ católica, e fazer os católicos conhecerem que Deus trabalha também fora dos confins da Igreja, em toda verdadeira ‘civilização’, com o sopro do Espírito”.

Imaginação

A propósito de imaginação, o Papa disse que “este é o tempo do discernimento na Igreja e no mundo. O discernimento se realiza sempre na presença do Senhor, vendo os sinais e as coisas que acontecem, ouvindo as pessoas que conhecem o caminho humilde da teimosia quotidiana, especialmente os pobres. A sabedoria do discernimento resgata a ambiguidade necessária da vida, mas é preciso entrar na ambiguidade, como fez o Senhor Jesus assumindo a nossa carne. O pensamento rígido não é divino porque Jesus assumiu a nossa carne que não é rígida, a não ser no momento da morte”.

“Gosto muito da poesia. A poesia é cheia de metáforas. Entender as metáforas ajuda a tornar o pensamento ágil, intuitivo, flexível e afinado. Quem tem imaginação não se enrijece, tem o senso do humorismo, aproveita a doçura da misericórdia e da liberdade interior. É capaz de escancarar visões amplas em espaços restritos como fez em suas obras pitorescas o irmão Andrea Pozzo, abrindo com a imaginação espaços abertos, cúpulas e corredores nos lugares onde existem somente tectos e muros.” Este foi o terceiro ponto de referência do Papa.

O Pontífice finalizou seu discurso desejando a ‘La Civiltà Cattolica’ que as versões em outras línguas possam alcançar muitos leitores e auspiciou que a Companhia de Jesus continue a sustentar esta obra antiga e preciosa, única para o serviço à Sé Apostólica.

(BS/MJ)

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