08 fevereiro, 2016

Homilia na conclusão da visita da imagem peregrina

A aparição prolonga-se em missão
Homilia na conclusão da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima ao Patriarcado de Lisboa

Arlindo Homem / Patriarcado de Lisboa
Amados irmãos e irmãs, aqui reunidos em torno de Nossa Senhora, como os pastorinhos a viram em Fátima, vestida de branco e de mãos postas. Já isto mesmo é importante e conversor. Porque pureza e oração são essenciais na mensagem que trouxe, ou melhor nos lembrou, com o Evangelho de Cristo. Pureza, como a brancura da sua veste, significa sem mistura de sentimentos e desejos, que não sejam unicamente adorar a Deus e amá-Lo sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos - ou, ainda mais, como o próprio Cristo nos amou. E oração, permanente e fervorosa, traduz dependência total de Deus e da sua graça, para que tal aconteça no nosso coração e nas nossas vidas, em nós e em todos, de nós para todos.Impressiona verificar como assim sucedeu com os pastorinhos, um século atrás. Crianças da serra de Aire, com a vida e a cultura que podiam ter, naquele lugar e naquela altura, ouviram a Senhora a lembrar-lhes palavras essenciais do Evangelho, precisamente de penitência e oração, conversão e entrega a Deus e, por Deus, aos outros. E eles próprios se transformaram na exemplificação mais clara da mensagem recebida, de que nada nem ninguém os conseguiram demover. Foi sobretudo por isso, pela autenticidade evangélica das suas vidas e testemunhos que, como diria depois o Cardeal Cerejeira, não foi a Igreja que impôs Fátima, mas Fátima que se impôs à Igreja.
Sinal dessa autenticidade foi a missão a que se dedicaram, de dizer o que urgia dizer, para que a conversão de muitos garantisse a paz para todos, e da terra ao Céu. Porque toda a aparição verdadeira se prolonga em missão necessária.

É feliz e providencial que as leituras bíblicas deste Domingo nos esclareçam e confirmem nesse mesmo sentido. Na primeira, quando Isaías vai ao templo e aí “vê” o Senhor, de modo tão total que primeiro o purifica e a seguir o envia, como seu profeta. E que importante é a ordem das referências: Primeiro vê, pois é despertado para aquela presença absoluta de Deus - e especialmente ali e daquela forma. Depois, sente o abismo da sua própria imperfeição, diante da santidade divina. A seguir, é purificado e assim mesmo preparado para o envio e a missão. Nunca mais deixará de ser profeta do que lhe acontecera, para que todos reconhecessem a Deus como deviam – e a Quem se deviam, como seu povo.
E o mesmo com São Paulo, como de si falou aos coríntios e agora a nós. De Jesus nada soubera ao certo, nem gostaria de ouvir falar. Até que um dia, de facto marcante, o Ressuscitado lhe “apareceu” também a ele. A partir daí, nunca mais deixou de “trabalhar” e mais que todos, para que ninguém ficasse de fora do que lhe fora revelado: Cristo vencera a morte; e vencemo-la, também nós, no corpo e na alma, unicamente como Cristo a venceu, com a medida inteira em que nos doamos a Deus e nos doamos aos outros, num único movimento que por fim nos salva.
Assim com o profeta, assim com o apóstolo, assim também com Pedro, quando Jesus lhe mandou relançar as redes. À sua ordem, voltou à faina e pescou como nunca. Daquele encontro, nasceu-lhe a missão: «Daqui em diante serás pescador de homens». Para que do perigoso mar do mundo fossemos retirados para a vida, na grande barca da Igreja.
Isaías, Paulo, Pedro e os outros, os Pastorinhos de Fátima, nós todos aqui, com as multidões que seguiram a Mãe de Jesus na sua imagem peregrina, ao longo destas três abençoadas semanas em que percorreu a nossa diocese. Tudo é aparição prolongada em missão e estímulo do Céu para o nosso caminho sinodal, no “sonho missionário de chegar a todos”.

Mas como aos que referimos, e ainda mais que a eles, a aparição absoluta foi de Deus a Maria, que escolheu por Mãe, para vir ao mundo. E missão decidida foi também a sua, visitando Isabel para visitar a todos, oferecendo-nos Jesus, que concebeu, deu à luz e acompanhou de Belém ao Gólgota.
Depois, o Espírito Santo, que ungiu Jesus para anunciar a Boa Nova aos pobres, foi O que no Pentecostes expandiu a Igreja, que com Maria se traduz em missão permanente. Por isso mesmo, não há aparição da Mãe de Cristo, como foi a de Fátima, que não ganhe autenticidade por estas duas notas essenciais: projeção missionária e envolvimento eclesial. Como repetidamente aconteceu e como nós todos o manifestamos aqui e agora.
Aqui mesmo, nesta magnífica igreja de Santa Maria de Belém. E no agora que vivemos, com «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens do nosso tempo, sobretudo dos pobres e de todos os aflitos, [que] são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo», como há meio século o repetimos, com o Vaticano II (Gaudium et Spes, 1). E assim mesmo o quero concluir em oração, diante da imagem peregrina da branca Senhora das mãos postas, por mim e por todos nós:

Mãe de Deus e nossa Mãe, Nossa Senhora de Fátima, Rainha de Portugal e do mundo inteiro:
Fazei-nos seguir o vosso Filho, no apelo evangélico à decidida conversão a Deus e ao serviço do próximo, sobretudo dos que mais precisam de ser acolhidos, respeitados e amparados, ao longo do percurso completo da vida de cada um. Olhai por todas as mães, para que recebam o dom dos seus filhos, desde o momento da sua conceção, contando com o apoio dos seus familiares e duma sociedade que legal e praticamente reconheça o valor da vida como o primeiro dos valores, imprescindível base de todos os demais.
Olhai pelos pais, para que os filhos contem com a complementar referência feminina e masculina, indispensável no seu todo ao crescimento humano, que essencialmente a requer.
Assim foi convosco e com o Menino que concebestes e depois destes à luz; com o Menino que criastes do presépio de Belém ao exílio do Egito e a Nazaré da Galileia. E sempre contando com a paternal figura de José, que vos aceitou por esposa e adotou Jesus, assim mesmo acompanhando os dois o seu «crescimento em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens» (cf. Lc 2, 52), verdadeiro objetivo de toda a educação.
Sabemos que não deixais de olhar por nós, atenta como estivestes ao que faltava nas bodas de Caná e indicando-nos Jesus como resposta ao que carecemos de mais definitivo e importante. Consagramo-nos por isso ao vosso amor materno, que é também o amor que Vós própria consagrais a Deus e a todos nós, por amor de Deus.
Como mãe e mestra, ensinai-nos a estar igualmente próximos das necessidades dos outros e a acompanhá-los na vida e até à morte natural, não lhes faltando nunca com os cuidados e a convivência onde o amor realmente se comprova, em especial na doença e na agonia, como Vós mesma estivestes junto à cruz do vosso Filho.
Ensinai-nos sempre e avivai-nos agora a verdade de Cristo. Hoje como então, é pela maneira como nos amarmos que todos nos reconhecerão como seus discípulos. - Assim o fostes Vós, ó Mãe de Misericórdia! Assim o seremos convosco, os que aqui estamos com gratidão e compromisso, para que a Mensagem que deixastes em Fátima realize em nós e por nós o Evangelho de Cristo!

+ Manuel, Cardeal-Patriarca
Santa Maria de Belém, na conclusão da visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima ao Patriarcado de Lisboa, 7 de fevereiro de 2016

Patriarcado de Lisboa

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