23 junho, 2012

Oração em Línguas


Perguntas à Comissão Doutrinal do ICCRS - É CORRECTO ORAR EM LÍNGUAS NA MISSA?
 

A Comissão Doutrinal do ICCRS tem recebido várias perguntas em resposta a uma coluna publicada pelo serviço de notícias do ZENIT em 24 de Agosto, sobre se é permitido falar em línguas na Missa. O autor do artigo, P. Edward McNamara, LC, cita um documento de 1994 da Conferência Episcopal Brasileira e conclui que “não está em concordância com o carisma autêntico da Renovação Carismática Católica falar em línguas durante a Missa”. Todavia, o documento dos bispos brasileiros não apoia esta conclusão. Gostaríamos de aclarar este assunto para dissipar qualquer confusão que possa ter causado entre os membros do RCC.
O documento dos bispos brasileiros tinha intenção de tratar situações pastorais específicas no Brasil e não se refere à igreja universal, ainda que contenha algumas directrizes úteis. Como o P. McNmara faz notar, o documento faz uma distinção entre “orar em línguas” (oração dirigida a Deus) e “falar em línguas” (uma mensagem dirigida à assembleia). Contudo, passa por alto a relevância desta distinção para esta questão. A sua conclusão refere-se a “falar em línguas” durante a Missa sem se dar conta de que o que normalmente sucede nas liturgias carismáticas é “orar em línguas”. Os bispos não dizem que orar em línguas não deve ter lugar na Missa, apenas que os responsáveis não o deveriam pedir especificamente. Nem tão pouco proíbem “falar em línguas”; dizem apenas que não deveria suceder a não ser que haja também um intérprete.
Ao considerar o uso adequado do dom de línguas, é importante reflectir sobre o ensinamento de São Paulo. Paulo fala de línguas em 1 Coríntios no contexto de instruções sobre as assembleias litúrgicas da igreja (1 Co 11, 14). Descreve as línguas como uma forma de oração sob a influência do Espírito Santo; é orar ou cantar “com o espírito” (1 Co 14, 15). Ao dizer que o que fala em línguas “diz em êxtase coisas misteriosas no espírito” (1 Co 14, 2), Paulo indica que a oração em línguas é uma oração pré-conceptual, pré-verbal: uma oração do coração que exprime o louvor em voz alta mas sem palavras. Paulo corrige certos abusos dos Coríntios, naqueles em que as línguas estavam sendo demasiado sobrevalorizadas em detrimento da profecia e de outros carismas que têm uma maior capacidade de edificar o Corpo de Cristo (1 Co 14, 1-17). Não obstante, diz, “ O meu desejo é que todos vós tenhais o dom de línguas” e “ dou graças a Deus porque tenho o dom de línguas mais do que todos vós” (14, 5;18). Noutra passagem, Paulo aconselha os cristãos: “Não extingais a acção do Espírito … examinem tudo e guardem o que é bom” (1 Ts 5, 19-21). E admoesta especificamente, “não impeçam que se fale numa linguagem incompreensível” (1 Co 14, 39).
Os escritos dos Padres da Igreja também ajudam a ilustrar esta questão. Muitos Padres referem-se ao júbilo (jubilatio), uma forma de orar e cantar em voz alta sem palavras. As suas descrições do jubilatio são notavelmente parecidas com a nossa experiência de orar ou cantar em línguas hoje. Santo Agostinho explica: “Aquele que se enche de júbilo não pronuncia palavras, mas um som de alegria sem palavras: porque é a voz da alma manando em alegria, expressando, até onde lhe é possível, o que sente sem reflectir no significado. Enchendo-se de alegria e júbilo, um homem utiliza palavras que  não se podem dizer e entender, mas simplesmente deixa que a sua alegria transborde sem palavras; a sua voz então parece expressar uma felicidade tão intensa que a não pode explicar” (En. no Salmo 99,4).
Agostinho não se limita a permitir, mas incita a sua congregação ao júbilo: “Encham-se de alegria e falem. Se não podem exprimir a vossa alegria, encham-se de júbilo: o júbilo exprime a vossa alegria se não podem falar. Que a vossa alegria não seja silenciosa” (ibid., 97.4). São Gregório Magno acrescenta: ”Chamamos-lhe júbilo, quando concebemos tal alegria no coração que não podemos dar-lhe rédea solta pela força das palavras, e contudo o triunfo do coração dá rédea solta com a voz ao que não pode proclamar pela palavra. Agora se diz com toda a razão que a boca está cheia de riso, os lábios de júbilo, como nessa terra eterna, quando a mente do justo é levada em êxtase, a língua se eleva num cântico de louvor”. (Moralia, 8.89; cr. 28.35) Muitos outros Padres escrevem de maneira semelhante. Que ocasião mais adequada pode existir para essa alegria transbordando em louvor sem palavras do que esses momentos da liturgia onde há lugar para uma resposta de canto ou louvor, como o aleluia ou depois da comunhão? De facto, o júbilo com melodias improvisadas foi uma parte normal da liturgia durante séculos, e teve uma influência significativa no desenvolvimento da música sacra medieval.
Estes antecedentes ajudam-nos a perceber que o dom de línguas não é algo “exterior” introduzido na liturgia: mas é um modo de cantar ou de orar sob a direcção do Espírito. Desde logo, podem existir e às vezes existem abusos do dom de línguas na Missa. Mas as línguas em si mesmas são uma obra do Espírito, um dom que nos conduz a um louvor mais fervoroso, a uma entrega mais profunda e a uma comunhão mais íntima com o Senhor. Inúmeras pessoas do RCC podem dar testemunho de que isto é assim.
Também é importante recordar que os Papas, desde os primeiros anos do RCC, desde Paulo VI a Bento XVI, têm apoiado e encorajado o Renovamento como movimento da Igreja. Em várias ocasiões, os Papas celebraram missas com grupos do RCC nas quais houve canto e oração em línguas. Muitas conferências episcopais publicaram mensagens confirmando o RCC e a renovação espiritual que ela trouxe a milhões de fiéis. Os leitores interessados em saber mais sobre as declarações dos Papas sobre o RCC podem consultar o livro do ICCRS, “Then Peter stood up …” (Então Pedro levantou-se …) Colecção dos discursos dos Papas ao RCC desde as suas origens até ao ano 2000.
As declarações dos bispos com directrizes específicas deveriam ler-se à luz destes discursos.
Os membros do RCC de todos os países são encorajados a manter boas relações com a sua igreja local, e a seguir fielmente qualquer directriz dada pelos seus bispos.

ICCRS – Formação de Servidores - Volume XXXVI, número 5 - Outubro-Dezembro 2010
(Publicado, no site do RCC da Diocese do Porto, e recentemente, na revista PNEUMA, n.º 248)

Sem comentários:

Enviar um comentário