09 março, 2011

Homilia de D. José Policarpo, na Missa de Quarta-Feira de Cinzas

“A Quaresma é uma Peregrinação”

1. A Quaresma é o tempo litúrgico que encerra a verdade profunda de toda a vida cristã: uma caminhada, seguindo Jesus, em direcção à Jerusalém Celeste. Na Quaresma, somos chamados a viver com mais verdade e radicalidade a nossa vida cristã, em Igreja. Esta é um povo de peregrinos que sabe que não tem neste mundo morada permanente e definitiva.
O Papa Bento XVI ofereceu-nos este ano o 2º volume de “Jesus de Nazaré”. O facto de ser divulgado no início da Quaresma sugere que este texto nos pode ajudar a caminhar até à Páscoa da Ressurreição. Este 2º volume apresenta-nos a grande caminhada de Jesus, desde a entrada messiânica em Jerusalém até à Ressurreição e Ascensão aos Céus. É a grande “passagem” em que Cristo, nosso Redentor, convida a humanidade a encetar uma nova caminhada em ordem à sua libertação.
Aquela entrada em Jerusalém é uma peregrinação, prevista na espiritualidade de Israel, em direcção ao Templo, morada de Deus e “casa de oração para todos os povos”. Jesus vem da Galileia a caminho de Jerusalém. O grupo dos que O seguem vai engrossando, torna-se multidão, cativados pela sua pessoa, miraculados pela sua graça. Em Jericó, o cego Bartimeu, que Jesus curou, juntou-se aos peregrinos (cf. Mc. 10,48-52).
É essa multidão de peregrinos que, às portas de Jerusalém, O aclama Messias-Rei, aclamação que Jesus aceita e esclarece com os textos da Escritura sobre o verdadeiro Messias prometido. Este reconhecimento de Jesus, como o verdadeiro Messias esperado, estará depois no centro das acusações durante o processo de Jesus. A Pilatos tem de declarar: “O meu Reino não é deste mundo”. Para o perceber é preciso ser peregrino. Aliás, aquela proclamação messiânica é fruto da peregrinação; foi seguindo Jesus, na subida para Jerusalém, que aquela multidão O reconheceu na sua verdade messiânica.

2. Mas para Jesus, diz o Santo Padre, “a meta final desta subida é a oferta de Si mesmo na Cruz (…). Esta ascensão até à presença de Deus passa pela Cruz; é a subida para o amor até ao fim (cf. Jo. 13,1) que é o verdadeiro monte de Deus”.
Todos aqueles discípulos que peregrinam com Jesus vão viver esses momentos dramáticos da Paixão do Senhor: alguns fogem, outros desistem, escandalizados com a humilhação do seu Messias-Rei. Mas os que foram capazes de seguir Jesus, na sua peregrinação pessoal, vão ter a surpresa da Ressurreição. E então, com o ressuscitado, percebem que uma nova peregrinação, a seguir Jesus, começa de novo, agora em direcção à Jerusalém Celeste, a “nova Jerusalém”. Têm a certeza de que Jesus vai com eles nessa nova peregrinação e que todos os povos são agora chamados a engrossar o número dos peregrinos. Esta nova peregrinação é a Igreja, Povo do Senhor, que Ele acompanha, fortalece e vivifica, com amor infinito, o seu amor redentor, até à Casa do Pai. Ela sabe que, se quer Jesus, não pode evitar a Cruz, e que hoje pode viver com a esperança da ressurreição.

3. A Quaresma é uma caminhada, em espírito de peregrinação, em ordem à nova Jerusalém. Somos chamados, durante ela, a redescobrir a atitude fundamental da vida cristã. Ponhamo-nos, pois, a caminho.
Aquela última ida de Jesus para Jerusalém, onde celebrará a sua Páscoa, a nova Páscoa, é a referência fundadora da nossa peregrinação. Mas esta é fundamentalmente a caminhada a partir da ressurreição, em que os novos discípulos que acreditaram em Jesus ressuscitado resolvem segui-l’O, movidos pelo Espírito. É a caminhada da Igreja e em Igreja. Esta caminhada tem os elementos essenciais da peregrinação de Jesus para Jerusalém e do seguimento, por parte dos discípulos, de Jesus ressuscitado.
É, antes de mais, um peregrinar com o Senhor. Em ambos os casos, os peregrinos caminham porque o Senhor vai com eles. Na sua peregrinação, a Igreja precisa de acreditar e se possível sentir que o Senhor ressuscitado vai com ela, caminha com ela. Se a convida a mergulhar na dureza da sua Paixão, e a Igreja é convidada a fazê-lo em cada Eucaristia onde aprende a perceber o sentido redentor de todo o sofrimento, guia-a, através do Espírito, a fruir, desde já, a surpresa da vida nova do ressuscitado. Uma Igreja que caminha no tempo, seguindo Jesus ressuscitado, tem necessariamente os olhos postos em Deus, comunhão de amor e na nova Jerusalém, última meta da nossa esperança.
Mas a nossa peregrinação faz-se neste tempo, através da complexa realidade humana. Não podemos perder os olhos d’Ele, pois só Ele nos dá força para avançar por entre as dificuldades deste mundo. Porque Ele é a Palavra eterna, seguimos a Palavra, somos guiados pela Palavra. As expressões tradicionais da Quaresma são, no fundo, as atitudes do peregrino. Rezam enquanto caminham. Rezam, escutando a Palavra do Senhor que nos sugere, também, a nossa própria resposta. A Quaresma é um tempo de oração, não de uma oração qualquer, mas uma meditação da Palavra, um diálogo com o Senhor que nos fala. É tempo de rezar a Sagrada Escritura. Neste tempo toda a palavra, mesmo a da Igreja, deve fazer-nos mergulhar na Palavra de Deus que sempre nos acompanha.
Depois, é próprio dos peregrinos levar uma vida simples, na comida, no vestuário, no alojamento. Quem já se fez peregrino sabe que é assim. A simplicidade de vida, de que o jejum é uma expressão, ajudar-nos-á a não fixarmos o nosso coração nas coisas do mundo mas no Senhor que seguimos e na meta do nosso peregrinar. Caminhamos como pobres, como Jesus com os seus discípulos e os pobres aprendem a partilhar. Talvez aqueles com quem partilhamos queiram, como o cego Bartimeu, entrar na peregrinação.
Esta simplicidade leva-nos a valorizar as dimensões da nossa verdade interior, que só Deus conhece, e não a aparência vistosa dos critérios deste mundo. Neste processo, vai-se realizando, cada dia mais, a nossa conversão interior. “Convertei-vos ao Senhor vosso Deus” (Joel. 2,12-13), pedia-nos o Profeta Joel. “Nós vos pedimos, em nome de Cristo, reconciliai-vos com Deus”(2Cor. 5,20), exortava-nos o Apóstolo Paulo. Se caminharmos com o Senhor, purificaremos o nosso coração.

Sé Patriarcal, 9 de Março de 2011
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
Fonte: http://www.patriarcado-lisboa.pt/site/

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